BARRA DO GARÇAS – Estudantes de escolas públicas usam o teatro para falar sobre violência sexual

Em 2016 foram registrados no Brasil 17,5 mil casos de violência sexual cometidos contra crianças e adolescentes. As vítimas, na maioria das vezes, se calam, por medo, vergonha ou falta de informação. Esta realidade, por mais brutal e dolorosa que seja, precisa ser debatida. Mas, como abordar um assunto tão delicado como este? Como levar para o centro do debate um tema que ainda é tratado de forma velada? Como envolver estudantes e a própria sociedade em uma discussão relevante como esta?

A resposta para estes e outros questionamentos foi usar o lúdico para atingir o objetivo. E assim foi criada a “I Mostra Estadual de Teatro” de Barra do Garças, com o tema: “Meu Corpo, Minha Voz, meu Direito”, cuja grande final aconteceu na terça-feira (05). Ao todo, cinco escolas estaduais e a Apae foram premiadas. Cada companhia de teatro recebeu R$ 5 mil em dinheiro, sendo R$ 3 mil para a escola, R$ 1 mil para os estudantes e R$ 1 mil para o professor/orientador.

Realizado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso e a Associação Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica Contra Mulher – Rede de Frente – o evento foi um sucesso de público. Familiares dos estudantes, professores e comunidade em geral lotaram o anfiteatro municipal. O nível das peças superou as expectativas dos organizadores da mostra e surpreendeu o público, principalmente pela sensibilidade e sutileza com que os alunos abordaram o problema.

De acordo com a promotora de Justiça Hellen Ulian Kuriki, da 3ª Promotoria de Justiça Criminal de Barra do Garças, as cinco instituições selecionadas assumiram o compromisso de replicarem as produções artísticas na própria escola e, no decurso do 1º semestre de 2018, nas demais instituições de ensino que integram seu recorte territorial, para que todos possam refletir sobre o assunto.

“A Rede de Frente Sempre pensou em trabalhar a violência sexual como uma das formas de violência praticadas contra mulher. Em 2017, diferente dos outros anos, quando trabalhamos com mostra de vídeos, nós resolvemos inovar e lançar a 1ª mostra estudantil de teatro, que teve como objetivo levar a discussão sobre a necessidade do enfrentamento da violência sexual no infantojuvenil. Tivemos 16 escolas inscritas e 5 escolas selecionadas, além da participação da APAE, como forma de inclusão social. Vale ressaltar, porém, que todas as escolas públicas e particulares de Barra foram convidadas para participar da mostra. Nós dividimos em 5 regiões da cidade para que todas pudessem participar”, explicou a promotora.

A defensora pública Lindalva de Fátima Ramos ressalta que as peças apresentadas trouxeram à tona um problema que é grave, que existe em todas as camadas sociais, mas que é pouco debatido. “É a aquela velha história, o que os olhos não veem o coração não sente. Nós precisamos fazer com que as pessoas se deem contra de que o problema existe, de que nós precisamos combatê-lo com ajuda de todos. Por isso, a proposta de realizar essa mostra, para conscientizar, dar visibilidade ao assunto e assim trazermos à tona os números ocultos, pois nós sabemos que quando o assunto é violência sexual a subnotificação ainda é muito grande”.

O procurador da Especializada em Defesa da Criança e Adolescente, Paulo Jorge do Prado, elogiou a iniciativa, o engajamento dos promotores de Justiça e dos demais parceiros do projeto, além dos estudantes que souberam trabalhar o tema com leveza e sensibilidade. “Saio daqui extramente satisfeito e emocionado de ver a qualidade dos trabalhos apresentados. Durante muitos anos as pessoas se recusaram a trazer este assunto para ser debatido publicamente, o silêncio sempre falou mais alto. Porém, não dá para ficar calado diante de números tão cruéis como os registrados todos os dias em nosso país, quando o assunto é violência sexual. Parabéns a todos os envolvidos que souberam dar o recado com inteligência, sutileza, verdade e transparência”.

Na avaliação do juiz da Infância e Juventude, Michel Lotf Rocha da Silva, a mostra de teatro cumpriu seu papel, que foi esclarecer crianças, adolescentes e jovens sobre a importância de denunciar o abusador. “Infelizmente os dados são cruéis, porém, verdadeiros. A maioria dos abusadores está no ambiente familiar. É o pai, padrasto, tio, avô, primo, ou seja, pessoas do convívio da vítima. Isso faz com que o abuso fique em segredo, seja mantido no sigilo da família e é exatamente este ponto que nós queremos atacar. É preciso denunciar, mas para que isso aconteça as pessoas têm que sentir seguras. Elas precisam saber que não estarão sozinhas, que existe toda uma rede para dar suporte e orientação a elas”.

Depois de seis meses de trabalho intenso, a avaliação da promotora de Justiça Nathalia Carol Manzano Magnane, da 2ª Promotoria Cível, sobre o resultado alcançado é positiva. “Acredito que o nível das peças surpreendeu a todos, as escolas se engajaram muito na elaboração dos roteiros, cenário e figurino. Tudo ficou a cargo dos alunos e professores/orientadores, que se esmeraram no trabalho para abrilhantar esta noite. Nós escolhemos o teatro para abordar um tema delicado, pois ele permite expor a criatividade e a expressão de cada um. Além disso, o nosso público-alvo, o infantojuvenil, foi o protagonista do recado a ser dado. Sob a visão deles foi abordado qual o enfoque que tem que ser dado para que eles se tornem empoderados no enfrentamento do abuso e da exploração sexual”.

De acordo com a presidente da Rede de Frente, Andréia Guirra, a associação estava preocupada em trazer para o debate a questão da violência sexual infantojuvenil em razão da quantidade de casos registrados em Barra do Garças. “Nós pensamos como falar com crianças e adolescentes de forma que não agredisse, que não assustasse, ai veio a ideia de trabalhar com teatro que, abordou o assunto de maneira tranquila. Acredito que o objetivo foi atingido e as expectativas superadas”.

TRABALHO INTENSO: Depois que as escolas foram selecionadas, o próximo passo foi dar suporte as companhias de teatro, para que elas pudessem trabalhar em cima do tema proposto. Foi neste momento que entrou em cena o psicólogo da Rede de Frente, Eduardo Vieira, que usou da sua formação e experiência profissional para auxiliar os estudantes.

“Meu papel foi dar suporte para estas escolas. Como os atores são jovens amadores eles precisavam de orientação para elaborar o roteiro, trabalhar expressão dramática e alinhar o texto das peças ao tema proposto. Durante três meses acompanhei todas as companhias, para que elas pudessem fazer o trabalho com um suporte mínimo. Aos poucos fomos avançando e deixando o roteiro mais redondo. Os alunos foram entendendo que eles poderiam usar os recursos do teatro para sensibilizar as pessoas sobre a importância de discutir um tema tão delicado e difícil como este. Eles viram que o teatro é essa linguagem que toca, que emociona. Acredito que a mensagem foi passada”.

Atentos a todas as dicas do psicólogo os alunos também fizeram à sua parte. Muitos levaram os textos para casa para decorar as falas e dormiam em cima dos papéis. É o caso da estudante do 6º ano, Verônica, Cotrin, 13 anos, que teve a ajuda da tia para aprimorar o texto e gravar o monólogo que ela mesma escreveu. “Aprendi muito. Principalmente que não podemos nos calar, que temos que denunciar a violência sexual, não importa quem seja o agressor”, destaca a estudante da Escola Estadual Maria Nazareth Miranda Noleto.

Ela faz parte da Companhia de Teatro N9, que apresentou a peça: “Um grito no escuro: recortes de uma realidade”. “Optamos por deixar as alunas escreverem o próprio texto que elas falariam na peça. Foram apresentados três monólogos, todos fictícios, cada um contando uma história diferente de violência. Nossa proposta era que elas não apenas se envolvessem, mas também superassem seus medos e dificuldades”, conta a professora/orientadora Graziele Ferrari. A escola ainda não sabe o que fará com o dinheiro que ganharam como prêmio. “Ficamos tão focados nos ensaios que nem pensamos nisso ainda”.

Já a equipe da Escola Estadual Maria Lourdes Hora Moraes já tem na ponta do lápis o que vai fazer com o dinheiro do prêmio. “Vamos investir no nosso laboratório de ciências. Já fizemos orçamento. O dinheiro vai dar para fazer uma bancada de granito e colocar uma pia, porque hoje não temos um local adequado para o nosso laboratório”, conta a professora/orientadora Elisangela Fanczak, que também recebeu R$ 1 mil como prêmio. Onde ela vai gastar o dinheiro? “Vou sair com as meninas (turma do teatro) para um passeio, vamos comer pizza e nos divertir um pouco. Elas merecem”, comemora.

E quem passou o recado também aprendeu: “Vou levar isso para o resto da minha vida. Sei que se eu ver qualquer coisa errada sobre esse assunto eu tenho que denunciar. Além disso, hoje eu tenho mais informações e sei que posso ajudar e orientar outras pessoas que estiverem precisando”, garante a estudante Aneliney Rodrigues, 12 anos.

ESCOLAS VENCEDORAS:

Escola Estadual Maria Loudes Hora Moraes

Escola Estadual Professora Maria Mariano da Silva (Ceja)

Escola Estadual Maria Nazareth Miranda Noleto

Escola Estadual Francisco Dourado

Escola Estadual Marechal Eurico Gaspar Dutra

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)

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Por JANÃ PINHEIRO

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