O celular e a rebelião dos presos

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves

A cidade de Bauru (SP) ganhou destaque no noticiário nacional por um incômodo motivo. A rebelião de presos do antigo Instituto Penal Agrícola, a antiga escola de agricultura que virou cadeia. Comportando pouco mais de 1000 detentos do sistema semi-aberto, o estabelecimento estava com quase 1500 e a revolta eclodiu na hora em que agentes penitenciários flagraram a presença de um apenado portando telefone celular. O ato disciplinar foi inviabilizado, três pavilhões-dormitório incendiados e 152 detentos fugiram. A pronta ação do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar evitou que o fogo destruísse completamente os prédios e que os fugitivos chegassem ao centro da cidade. Cento e dez deles já foram recapturados e os outros ainda são procurados.

O lado intrigante é que um simples celular tenha determinado a revolta. Considere-se que os detentos daquele presídio, semi-aberto, já conquistaram a liberdade de trabalhar fora e estão em fim de pena. Obter um novo telefone seria algo fácil e, se quisessem apenas fugir, já estando na rua, bastaria simplesmente não retornarem ao presídio depois da jornada externa. Os serviços de inteligência precisam verificar se o aparelho descoberto foi realmente o motivo ou é apenas a desculpa para omitir a verdadeira motivação, suas implicações ou até seus ordenadores. O verdadeiro motivo para os envolvidos arriscarem as regalias e voltarem ao regime fechado, sem dúvida, pode ser mais significativo e ter, até, contexto mais abrangente do que a rebelião isolada que se imagina.  

Mais do que o fato em si, o ocorrido revela ao grande publico o quadro caótico vivido pelo sistema penitenciário brasileiro. Cadeias superlotadas e detentos insubordinados que, ao serem surpreendidos no cometimento de infrações, se rebelam. Isso sem falar que na maioria desses estabelecimentos os internos obedecem as ordens das facções do crime organizado. Foi em Bauru, mas poderia ter ocorrido em qualquer ponto do território nacional, pois em toda parte há caldo de cultura para a explosão da massa encarcerada.

É preciso que os planos da ministra Carmem Lúcia, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) saiam logo do papel e se realize o grande mutirão nacional para a solução da dos processos de 250 mil detentos que hoje se encontram recolhidos mas poderiam estar cumprindo penas alternativas. O Judiciário tem de colocar suas forças em movimento para resolver a sua parte do problema e liberar os estabelecimentos prisionais para o Executivo os tornar mais habitáveis àqueles que tiverem de continuar recolhidos.

Soa como hipocrisia o fato de detentos serem autorizados a cinco “saidinhas” por ano e terem de voltar ao cárcere. Se eles têm condições de passar aqueles dias em liberdade, poderiam ficar todos os dias do ano, mesmo que  monitorados por tornozeleiras e sujeitos a restrições impostas pela lei. Dessa forma, poderiam continuar trabalhando em suas profissões, cuidando de suas famílias e não adensariam o barril de pólvora das prisões. Muito se tem falado em modernização da pena, mas o discurso é maior do que a prática. Tanto que chegamos ao quadro atual, onde as prisões chegam a parecer territórios independentes. Há que se partir da proposta para a execução, enquanto ainda é tempo…

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais  Militares de São Paulo) aspomilpm@terra.com.br  

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