A defesa do ex-governador do Estado Silval da Cunha Barbosa está a um passo de sua maior vitória desde a deflagração da “Operação Sodoma”, no fim de 2015: obter a total anulação dos atos processuais da magistrada da Sétima Vara Criminal, Selma Rosane Arruda, afastá-la da ação e libertar seu cliente, preso no Centro de Custódia da Capital (CCC) há mais de 02 anos. Mais um voto favorável no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Habeas Corpus 367156, assinado por Valber Melo e Ulisses Rabaneda, entrará para a história da justiça brasileira, criando jurisprudência a respeito de como deve proceder um juiz ao homologar uma delação premiada, instituto introduzido – na forma como conhecemos hoje – em 2013 no Brasil.
Essa jurisprudência poderá afetar diretamente o procedimento jurídico hoje assumido pelo juiz Federal Sérgio Moro, em Curitiba. Moro é responsável por julgar a ação penal derivada da “Operação Lava Jato” e prender figurões da política nacional.
A delação premiada, ou colaboração premiada, consiste na oferta de benefícios pelo Estado àquele que decidir confessar seus crimes e prestar informações úteis à busca da verdade. A colaboração pode ou não vir acrescentada de fatos e documentos que apontem novos suspeitos, podendo gerar outras investigações. Essa técnica de investigação é polêmica e ganhou notoriedade ao ser aplicada por Giovanni Falcone, magistrado italiano que julgou a ação penal oriunda da “Operação Mãos Limpas”, que, por sua vez, desmantelou a facção criminosa Cosa Nostra, prendeu centenas de autoridades, quase causou a falência da economia da Itália e terminou com o assassinato do juiz, poucos anos depois.
A decisão sobre a anulação da “Operação Sodoma” está nas mãos de quatros ministros do STJ. Dois deles já votaram: Antônio Saldanha Palheiro, contra a anulação da Sodoma, e Sebastião Reis, favorável. Restam os ministros Rogério Schietti Cruz e Nefi Cordeiro.
Schietti Cruz será o próximo a proferir seu voto. Ele pediu vistas na última ocasião em que a votação foi posta à mesa. Segundo apurações de Olhar Jurídico, o ministro pediu vista para avaliar a extensão da ilegalidade supostamente cometida pela magistrada Selma Arruda no procedimento de homologação das delações premiadas.
O fato remete à 2015, durante homologação dos acordos de colaboração dos empresários João Batista Rosa, Frederico Müller Coutinho e Filinto Müller. A defesa alega que na ocasião a juíza Selma teria questionado “em profundidade a respeito do suposto esquema criminoso engendrado pelo excipiente e pelos codenunciados, em muito extrapolando o mero juízo de delibação que dela se esperava”.
MPE: excesso, mas sem motivo para impedimento
O próprio MPE admite “excesso”. Por meio do parecer publicado pelo Procurador Élio Américo, em 23 de maio de 2016, ainda que enfatize ao final não reconhecer evidencias suficientes para “causa de impedimento ou de quebra da imparcialidade”, manifestando “pela improcedência da arguição”.
Narra o procurador: “a ilustre juíza aprofundou-se em minúcias sobre os fatos, indagando sobre as empresas envolvidas e seus negócios, a identidade dos envolvidos, seu papeis na trama, o modus operandi da suposta organização, os repasses de valores, modo de pagamento, etc. Nesse segundo momento, a juíza aprofundou-se, ainda mais, sobre o meio e o modo como eram desviados recursos do erário, ocasião em que indagou sobre as soma dos valores desviados, quantidade de cheques emitidos/descontados, quantia repassada a determinados operadores do esquema, natureza das despesas quitadas com esses valores, reuniões, tratativas e interpelações dirigidas a colaboradores”.
Diante disso, admite. “Houve de fato, uma inquirição desnecessária sobre os aspectos de fato que já não interessavam as finalidades previstas em lei para a homologação do termo”. Adiante, ele refuta as alegações da magistrada Selma Arruda, “as explicações apresentadas no sentido de que fez a inquirição ‘tão somente como forma de certificar de que as declarações prestadas eram realmente voluntarias’, com a devida vênia não procedem”.
Ao final, “inocenta” a juíza, avaliando que esta pecou por excesso, “talvez pelo fato de cuidar-se de uma das primeiras homologações de acordo de colaboração premiada naquele juízo, a magistrada procurou, certamente de boa-fé, cercar-se o máximo possível de certeza sobre os fatos objeto da delação, antes de proceder a homologação do termo, pecando pelo excesso”.
Invadiu os Limites:
Discorda o ministro Sebastião Reis, em seu voto proferido em audiência, no STJ, em 15 de fevereiro. “Me pareceu que a juíza passou dos limites com três colaboradores. Não se limitou a apenas perguntar se era espontânea ou voluntária. Ela avançou e perguntou sobre o mérito, e também permitiu o Ministério Público (questionar os réus) sem que a defesa estivesse presente”.
Resume sua avaliação: “A juíza invadiu os limites e questionou o mérito antes da denúncia ser ofertada”, reconhecendo então a necessidade da total anulação da ação.
Está na Lei:
Para os advogados Valber Melo e Ulisses Rabaneda, não há que se especular sobre as consequências sociais de uma eventual anulação. Trata-se de um julgamento estritamente técnico. Quase matemático. Casa à tese da defesa a manifestação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavaski, do Supremo Tribunal Federal, no HC 127483/PR, cuja relatoria ficou a cargo do Ministro Dias Toffoli.
Sobre o ato de homologar a delação, ele diz: “Não cabe ao Judiciário, nesse momento, examinar aspectos relacionados à conveniência ou à oportunidade do acordo celebrado ou as condições nele estabelecidas, muito menos investigar ou atestar a veracidade ou não dos fatos contidos em depoimentos prestados pelo colaborador ou das informações trazidas a respeito de delitos por ele revelados. É evidente, assim, que a homologação judicial do acordo não pressupõe e não contém, nem pode conter, juízo algum sobre a verdade dos fatos confessados ou delatados, ou mesmo sobre o grau de confiabilidade atribuível às declarações do colaborador, declarações essas às quais, isoladamente consideradas, a própria lei atribuiu escassa confiança e limitado valor probatório (“Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador”, diz o § 16 do art. 4º da Lei 12.850/2013)”.
Não há empate:
Na justiça não há empate, tampouco desempate, assim uma votação de quatro ministros que se encerra em 2×2, torna-se deferimento imediato. Vitória de Silval Barbosa. Assim, por questão de lógica, basta que um dos ministros vote favoravelmente à defesa e a magistrada Selma Rosane Arruda será considerada incompetente para julgar a ação. Como consequência, “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”, consta do artigo 567 do Código do Processo Penal (CPP).
Efeito dominó:
“Somente” anulação de todos os atos decisórios é nada menos que tudo o que a magistrada Selma Arruda determinou até o momento, desde 2015, o que inclui homologação de delação, autorização para busca e apreensão, ordens de prisão e bloqueio de contas e bens.
Ou seja, recursos oriundos de bloqueios de contas e bens de réus (como os bois do ex-chefe da Casa Civil Pedro Nadaf ou a fiança de R$ 12 milhões de Valdir Piran) serão devolvidos; aparelhos e documentos apreendidos (como celulares e aplicativos de Whatsapp de Marcel de Cursi e Pedro Nadaf, cheques, documentos, recibos e anotações) serão liberados para seus donos; delações (como dos ex-SAD César Zílio e Pedro Elias) serão anuladas (podendo eles, amanhã, realizarem novos acordos incluindo a possibilidade de apresentarem novas versões sobres os fatos) e por fim, é decretada a soltura do ex-governador Silval da Cunha Barbosa.
O Ministério Público Estadual poderá entrar, caso anulada a “Operação”, com novos pedidos de bloqueios, apreensões e prisões, imediatamente. Existe porém a possibilidade (não muito remota) de nada mais encontrarem, comprometendo gravemente as investigações.
Efeito nacional:
Caso o STJ entenda pela anulação da Sodoma, tendo em vista excesso cometido por magistrado, a decisão se tornará jurisprudência. Esta palavra vem do do latim: jus, que significa “justo” e prudentia, que significa “prudência”. Jurisprudência é, em linhas gerais, a óptica de um caso particular, isto é, conjunto das soluções dadas pelos tribunais às questões de Direito ou uma uniformização sobre determinada questão. Na prática, quer dizer: “se para o caso A, decisão B, assim, todo caso semelhante ao A, requer sentença semelhante a B”.
Parece burocrático e de pouco efeito prático, mas não. A decisão do STJ, órgão máximo para aplicação de jurisprudências legais (e não Constitucionais), no sentido de que um juiz (seja ele Estadual ou Federal) não possa apresentar questionamentos no ato da homologação do acordo de delação premiada afeta diretamente a Sérgio Moro, juiz federal de Curitiba que julga a ação penal da “Lava Jato”. Em caso de vitória da defesa de Silval, a aplicação da jurisprudência, diferentemente da Sodoma, não anularia de imediato o que já foi feito na Lava Jato, mas pode afetar em larga escala o que poderá ser feito por Moro a partir de então, colocando-o em eterna corda bamba. Também, nada poderá impedir que outros advogados entrem com novos recursos, alegando que “Moro se excedeu”, usando, no futuro próximo, o exemplo de Selma Arruda, em Cuiabá, Mato Grosso.
Fonte: Olhar Juridico/Paulo Victor Fanaia Teixeira
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