Revista de bordo da TAP Portugal destaca Barra do Garças e Serra do Roncador

Fotos Eduardo Vessoni

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Aventura na Serra do Roncador

Brasil adentro e em pleno estado do Mato Grosso, seguimos os passos de Percy Harrison Fawcett, o explorador que foi um Indiana Jones verdadeiro.

A aventura seria um sacrifício para toda a família, o ambiente era hostil e a viagem poderia custar-lhe a vida. Diziam até que ninguém voltava de lá e que sua geolocalização era quase impossível de ser acertada. E ainda assim, aquele teimoso coronel britânico não desistiu.

Localizada no sudeste do estado brasileiro do Mato Grosso, a Serra do Roncador é cenário fértil para histórias que parecem ter escapado de clássicos da literatura, como a de Percy Harrison Fawcett, que desapareceu na região, em 1925, em busca de um portal para uma suposta cidade perdida. Por décadas, essa área de transição entre o Cerrado e a Amazônia brasileiros, uma espécie de extensão natural da Chapada dos Guimarães, arrastou exploradores intrépidos e esotéricos ortodoxos em busca de cidades e ouro escondidos. Essa cadeia montanhosa de 800 quilômetros de extensão, que segue imponente até o vizinho Pará, começa agora a receber viajantes que desembarcam em busca de sítios arqueológicos, trilhas e cachoeiras.

Para uma introdução ao destino, o distrito Vale dos Sonhos é a primeira parada, a pouco mais de 60 quilômetros de Barra do Garças, cidade mato-grossense às margens dos rios das Garças e Araguaia. Logo na estrada, o Bico da Serra se exibe com curiosas formações rochosas que nos ajudam a entender o nome Roncador, cuja origem seria o ruído do vento que irrompe as fendas daquelas rochas que, há milhares de anos, teriam sido o fundo do mar. De acordo com a posição do visitante (e do seu grau de abstração), é possível ver imagens de santa, de indígenas e dos famosos Dedo de Deus e o Guardião, torres naturais que se destacam, diante dos outros monólitos.

O Vale dos Sonhos é endereço também do Arco de Pedra, cuja trilha curta de 300 metros dá acesso a um mirante natural com vistas para a planície do Araguaia; e a Gruta da Estrela Azul, um pequeno sítio arqueológico com inscrições geométricas em alto-relevo. São tantas formações rochosas e de contornos tão variados, capazes de fazerem a nossa imaginação ir longe, que o Bico da Serra foi endereço do sueco Udo Oscar Luckner, que buscava na região o portal natural para Letha, uma suposta cidade subterrânea.  Autointitulado hierofante (sumo sacerdote), Luckner fundou o Monastério Teúrgico do Roncador e acreditava na existência de uma cidade intraterrena, Letha, que abrigaria seres evoluídos, assim como na teoria da Terra Oca do astrônomo Edmund Halley.

A Serra do Roncador já foi chamada de Portal para Atlântida, mas até hoje ninguém voltou do lendário continente desaparecido para contar mais detalhes. Se faltam explicações, sobram opções de turismo de aventura. A área é conhecida pelas centenas de cachoeiras que se escondem entre florestas fechadas, onde se chega apenas com carros 4×4 e após vencer algumas trilhas mais exigentes.

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O verdadeiro Indiana Jones

Para elevar o grau de adrenalina, a parada seguinte é no Complexo do Bateia. Durante um dia inteiro o visitante faz uma peregrinação por uma sequência de quedas de água que findam em piscinas naturais. Só pelos nomes já dá para se convencer de que o misticismo é mesmo parte do ADN da região do Roncador. Tem a cachoeira do Caldeirão da Bruxa e a dos Duendes. E se em muitas delas pouco se sabe sobre a origem de seus nomes, a gente trata logo de imaginar uma história para cada uma. Afinal de contas o cenário daqui para a frente é formado por fendas que ocultam poções na mata, águas que cortam pequenos câniones e escorregadores naturais de três metros de altura. Mas o cenário mais impactante é o da cachoeira que dá nome à atração. A Bateia I é uma queda de 86 metros de altura que desce por um imenso paredão rochoso. Fica na Serra do Taquaral, um braço natural do Roncador, a 52 quilômetros de Barra do Garças, e só deve ser explorada com o acompanhamento de guias que conheçam essa região isolada, em área de acesso restrito.

Outra parada que vale o esforço é a Fazenda Furna do Mineiro, de onde saem os grupos em direção à Cachoeira do Cardoso, uma das mais altas do destino. Para ver essa queda de 130 metros de altura é preciso encarar uma trilha de três quilômetros que cruza uma vegetação variada com espécies típicas da Amazônia e do Cerrado. Para isso, prepare-se para uma caminhada extremamente úmida e abafada, como não poderia deixar de ser em uma região com pé na maior floresta tropical do planeta.

O destino ganhou fama mesmo por seu misticismo e a história melhor contada por ali continua sendo a do referido Percy Harrison Fawcett, considerado o verdadeiro Indiana Jones por ter inspirado as histórias aventureiras de uma das mais famosas franquias cinematográficas de Steven Spielberg. Membro da Artilharia Real Britânica, o coronel acreditava na existência de civilizações antigas e foi até inspiração para Arthur Conan Doyle escrever seu romance The Lost World. Guias locais dizem que Fawcett teria passado por um dos mais exclusivos atrativos naturais do Roncador: a Rota Franciscana, onde até hoje acontece a Marcha Franciscana, uma caminhada religiosa de 46 quilômetros de extensão, organizada pela Congregação das Irmãs Franciscanas da Mãe Dolorosa. É ali que fica a Cachoeira São Francisco, com acesso por uma gruta que permite ver essa queda por trás de seu espelho de água que cai, em velocidade violenta, num poço que não permite banho. O local, a 130 quilômetros de Barra do Garças, abriga também trilhas curtas que permitem ao visitante observar a cachoeira do alto ou em sua base, além de piscinas elevadas e com águas tranquilas (essas, sim, um convite para passar o dia dentro de água).

Do alto de seu mais de 1,80 metros de altura e sob sua inconfundível roupa cáqui e chapéu Stetson, Fawcett não tirava da cabeça a ideia de encontrar a Cidade Z – o outro nome do destino procurado – desde que encontrara inscrições indecifráveis no antigo Ceilão e, anos mais tarde, ganhara uma estatueta de basalto com letras desconhecidas, doada por Henry Rider Haggard, o autor de King Solomon’s Mines, outro clássico da literatura de aventura. A peça teria sido enviada pelo filho de Haggard, que havia morado no Mato Grosso. Ao quebra-cabeça histórico de Fawcett se juntava o “Documento 512”, manuscrito em que o coronel vira caracteres semelhantes às inscrições encontradas no Ceilão. Após sete expedições na América do Sul, entre 1906 e 1924, Percy Harrison Fawcett, acompanhado de seu filho mais velho, Jack, e de um amigo dele, fizeram uma ousada expedição, Brasil adentro.

Fawcett era conhecido pelas cartas enviadas à esposa Nina com informações desencontradas ou com detalhes escassos que pudessem dar sua localização. O coronel queria levar sozinho o título de herói e conquistar fama internacional. E se o Roncador ainda não conseguiu esclarecer certas dúvidas, o destino, pelo menos, trata de inspirar com um dos cenários turísticos mais isolados do Brasil.

texto e fotos Eduardo Vessoni

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