Mato Grosso registrou neste ano a maior área desmatada desde 2008 e quase ultrapassa o teto que condiciona doações milionárias do Reino Unido e da Alemanha, aponta estudo do Instituto Centro de Vida (ICV), com base nos dados do projeto Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Ao todo, foram desmatados 1.749 km2 do bioma amazônico (12% a mais do que em 2017), área pouco maior do que a cidade de São Paulo. O estudo adota a periodização do Inpe, compreendida entre agosto e julho do ano seguinte.
A identificação de desmate ilegal com base no Prodes, feita também pelo Ibama, contradiz diversas declarações recentes do futuro ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que esse tipo de análise não é tecnicamente possível. “Você não sabe se esse desmatamento que houve está dentro do limite legal ou fora”, disse à reportagem, neste domingo (9).
“Pelo capital de monitoramento que o Brasil tem, essa qualificação está facilmente ao alcance, senão já pronta”, diz Renato Farias, diretor-executivo do ICV. “A transparência da informação ajuda a separar o joio do trigo e contribui com empresas nacionais e internacionais comprometidas em excluir o desmatamento ilegal de sua cadeia de fornecimento.”
“O Prodes mapeia desmatamentos maiores que 6,25 hectares, e essa escala de mapeamento permite uma localização precisa de posicionamento desses desmates, ilegais ou não, em propriedades de tamanho médio, como acima de 100 hectares”, afirma Cláudio Almeida, coordenador do programa de monitoramento da Amazônia do Inpe.
“As informações geradas já têm sido usadas há alguns anos por empresas esmagadoras de soja e frigoríficos para evitar negócios com fazendas embargadas por desmatamento ilegal”, completou.
O desempenho ruim marca o fim melancólico da gestão ambiental do governo Pedro Taques (PSDB), que não conseguiu se reeleger. Em 2015, durante a assinatura do Acordo de Paris, o tucano havia se comprometido a zerar o desmatamento ilegal em cinco anos.
Com relação ao desmate total, Mato Grosso representou 22,1% do total da Amazônia Legal (Amapá não teve os dados computados), atrás apenas do Pará (35,9%).
Em termos percentuais, o estado teve o quarto maior aumento (12%), atrás de Acre (82,9%), Roraima (33,3%) e Pará (16,7%). Ao todo, o desmatamento na Amazônia Legal teve um incremento de 13,7% em relação a 2017.
De acordo com o ICV, 83% do desmatamento ocorreu imóveis rurais privados. Em um distante segundo lugar, aparecem os assentamentos de reforma agrária, com 12%.
Em terceiro, estão as terras indígenas, com 5% do total. A maior parte se concentra na Terra Indígena Zoró, no noroeste do estado.
O município mais desmatado é Colniza, no norte do estado, com 237 km2. A região é marcada por violentos conflitos fundiários, como o massacre de nove posseiros e trabalhadores rurais, em abril do ano passado.
Entre as ações recomendadas pelo ICV para combater o crime estão a publicação de uma lista de proprietários rurais responsáveis pelo desmatamento ilegal, melhorar a transparência da base de dados estadual, aprimorar a fiscalização presencial e remota e fortalecer ações entre governo estadual, sociedade civil e setor privado para eliminar o desmate ilegal na cadeia de commodities.
O aumento da área devastada quase comprometeu o programa REM (Redd para os Pioneiros, na sigla em inglês). Assinado no ano passado, o acordo beneficia indígenas, pequenos produtores rurais e fortalecimento institucional e é financiado por doações da Alemanha e do Reino Unido.
O montante total da ajuda é de 44 milhões de euros (R$ 194,5 milhões) ao longo de quatro anos, até 2021. Para continuar recebendo os repasses, porém, o desmatamento anual não pode ultrapassar a linha de 1.788 km2. Ou seja, faltaram apenas 39 km2 para que o limite fosse desrespeitado.
Em resposta por escrito, a Sema atribuiu o aumento do desmatamento se deve à “variação cambial, a posicionamentos políticos diversos e problemas sociais ligados à regularização ambiental dos assentamentos e a especulações fundiárias”.
“Com a valorização da moeda americana, o preço das commodities agrícolas sobe, aumentando a pressão nas fronteiras agrícolas, já que com maior ocupação agrícola do solo muitos empreendedores buscam abrir novas áreas.”
A Sema diz que o governo Taques combateu o desmatamento por meio do monitoramento constante, sensibilização dos proprietários rurais e medidas punitivas.
Segundo números oficiais, de janeiro a novembro, foram embargados mais de 82 mil hectares, resultando em quase R$ 280 milhões por desmate. Houve também incremento de mais de 132% nas autuações por desmate ilegal nesse período em comparação com o ano anterior.
O governo mato-grossense diz que, além da fiscalização, tem realizado a regularização ambiental dos assentamentos rurais. “Em relação à regularização fundiária, o governo de Mato Grosso obteve junto ao Fundo Amazônia/BNDES mais de R$ 72 milhões para investimento no programa Terra a Limpo, que irá modernizar a gestão fundiária no estado e contribuir para a regularização fundiária de glebas públicas e assentamentos.”
Com relação ao convênio com os países europeus, a Sema afirma que, apesar de área desmatada ter chegado próxima ao limite, “a taxa está controlada e dentro do patamar de segurança institucional”. Explicou também que o primeiro desembolso a Mato Grosso será neste sábado (15).
FABIANO MAISONNAVE
Diário de Cuiabá
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