O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) participou, na última quinta-feira, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, da audiência pública ‘Os impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente de Mato Grosso’. Presidida pelo deputado Lúdio Cabral, a mesa foi composta pelo professor doutor Wanderlei Pignati, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), pela representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Francileia Paula de Castro, pelo promotor de Justiça Daniel Balan Zappia, da 2ª Promotoria de Justiça Cível de Diamantino, e pelo procurador-chefe do MPT-MT, Rafael Mondego Figueiredo.
O deputado iniciou a audiência falando da importância do tema e de como o debate sobre a questão vai orientar a atuação do seu mandato. “Para ser bastante sintético, quando a gente debate agrotóxicos, nós temos condições de discutir modelo de desenvolvimento econômico que esse estado adota e o que a gente quer, que a gente sonha. Nós temos condições de discutir nosso sistema tributário, as contradições e as injustiças constantes do nosso sistema tributário, nós temos condições de debater toda a pauta ambiental da defesa do patrimônio natural do nosso estado, das nossas águas, da vida dos ecossistemas que temos em Mato Grosso, condição de debater a situação de saúde da população de todo o nosso estado, que é um tema transversal, que permeia várias políticas públicas que serão objeto da nossa atuação”.
Na sequência, o procurador-chefe do MPT em Mato Grosso explicou o papel do órgão, pontuando que a defesa do meio ambiente de trabalho é uma de suas metas prioritárias, com fundamento no artigo 225 da Constituição Federal, segundo o qual todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O procurador destacou que o Ministério Público do Trabalho intervém em questões que envolvem o interesse de muitas pessoas, justamente como acontece em problemas relacionados ao uso de agrotóxicos, que comprometem todo o ambiente de trabalho, o qual deve ser objeto de tutela, segundo o art. 200, VIII, da Constituição Federal.
Lembrou, ainda, que no dia 28 de abril se celebra o “Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidentes de Trabalho”. Mondego citou dados extraídos do Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho, os quais apontam que, no Brasil, de 2012 a 2017, foram registradas quase 15 mil mortes por acidentes de trabalho. “Então nós vemos que é uma questão sensível, que merece ser debatida”, frisou.
O procurador comentou sobre a atuação do MPT à frente da coordenação do Fórum Mato-grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. “Aqui no estado nós contamos com órgãos parceiros, como a UFMT, que eu diria que é nossa parceira-mor, porque sem ela alguns resultados de altíssima relevância não estariam sendo produzidos até então. Também temos o Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal e vários órgãos envolvidos na temática”.
Ele ressaltou que o objetivo do Fórum é fomentar o debate e divulgar informações para que todos – produtores, trabalhadores e sociedade em geral, estejam cientes dos riscos provocados pelos agrotóxicos e busquem alternativas para diminuir os impactos negativos da sua utilização.
“A motivação principal para criação do Fórum foi justamente a desinformação acerca do tema e uma subnotificação que se verificou, ou seja, os casos de intoxicação por agrotóxicos não eram registrados, tanto que, segundo diz a Organização Mundial de Saúde, apenas um em cada 50 casos é notificado (…) Se hoje nós dizemos que 7,3 litros de agrotóxicos são consumidos por pessoa, por ano no Brasil, isso poderia ser bem mais. Essas são só estimativas. Em Mato Grosso esse nível é muito superior, chega a 64,2 litros por ano, por habitante. É um absurdo, uma elevação enorme se comparada à realidade nacional. Nós somos os maiores produtores de grãos do Brasil, de soja, e infelizmente para aumentar a produção se aplica uma quantidade enorme de agrotóxicos para sustentar a exportação, mas nem tudo se justifica, então temos que tratar com cuidado essa questão”.
O procurador apresentou informações sobre o número de registros de agrotóxicos no Brasil. Enquanto que em 2005 foram 95, em 2018 o número chegou a 450. Em 2019, os registros já somam 121. “Sem contar que há outro fato preocupante. Várias substâncias aprovadas no Brasil são rechaçadas na União Europeia. Então, digam, por que no Brasil você pode utilizar se o europeu não deixa? Se a União Europeia tem esse interesse em defender a saúde de seus habitantes, por que no Brasil não podemos adotar essa mesma sistemática? É uma questão que estimula o debate entre nós”, complementou.
Mondego alertou, ainda, para o fato do Projeto de Lei nº 6.299/2002, caso aprovado, piore esse quadro ao flexibilizar as regras para fiscalização e aplicação dos agrotóxicos. “Ele altera substancialmente a Lei de Agrotóxicos no país. Esse Projeto de Lei, que muitos chamam de pacote do veneno, altera o termo agrotóxicos, passando a denominá-lo de defensivo fitossanitário (…) É uma questão psicológica, de reduzir o medo das pessoas desse tipo de substância. E outra questão importante é que esse Projeto de Lei tira funções regulatórias da ANVISA e do IBAMA, concentrando todo o processo de aprovação no Ministério da Agricultura, ou seja, você acaba fragilizando um importante instrumento de identificação de riscos à saúde e ao meio ambiente”.
Segundo o professor Wanderlei Pignati, dos 32 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, 26 estão proibidos na Europa em razão de causarem câncer, má formação, distúrbios neurológicos, endócrinos e até Parkinson. Dados apontam que Mato Grosso é o maior consumidor de agrotóxicos do país, especialmente do glifosato, um ingrediente ativo do RoundUp, herbicida produzido pela Monsanto, que é o mais vendido no mundo. No Brasil, de acordo com o IBAMA, representa cerca 50% das vendas de agrotóxicos.
Pignati afirmou que o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil é o químico-dependente (de fertilizante, agrotóxicos, equipamentos e sementes transgênicas) e contestou o fato de não se discutir com a sociedade os riscos sanitários, alimentar e ambiental dos agrotóxicos.
“Considerando toda cadeia produtiva do agronegócio, desde desmatamento, indústria de madeira, agricultura, pecuária, transporte e agroindústria, todos eles têm trabalhadores, todos eles têm o primeiro impacto dessa cadeia, que são os acidentes de trabalho. O segundo é o agravo à população, onde ficam os mutilados, sequelados, com câncer, com má formação, distúrbios neurológicos, endócrinos, em todo o elo dessa cadeia. O terceiro impacto são os danos ambientais, poluição da água da chuva, dos animais, dos alimentos”.
Liderança
O Brasil está há dez anos na liderança do ranking de maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Enquanto a média nacional de exposição é de 7,3 litros por habitante/ano, em Mato Grosso pode chegar a 64 litros. Na avaliação do procurador Rafael Mondego, em um país com grandes fronteiras agrícolas, o uso em larga escala deste tipo de produto é preocupante.
“Uma das primeiras atividades no Fórum foi apoiar um projeto da UFMT coordenado pelo professor Pignati. Aplicamos, salvo engano, cerca de 1 milhão de reais. O NEAST [Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador] elaborou um estudo que chega a ser chocante. Analisando a contaminação ocupacional e ambiental e de alimentos na Bacia do Juruena aqui no estado foi verificado que havia alarmantes dados de contaminação na água, inclusive resquícios de agrotóxicos no sangue e na ruina de professores da área urbana e rural de três municípios pesquisados – Campo novo do Parecis, Campos de Júlio e Sapezal. Então, a partir daí, ficamos com o sinal de alerta ligado, porque não é razoável que nós continuemos a permitir uma utilização indiscriminada”.
Pesquisa
Mondego observou que os projetos de pesquisa apoiados e custeados pelo MPT preenchem uma lacuna e são uma estratégia para superar a desinformação. “Inclusive, já está sendo articulada outra pesquisa nesse mesmo sentido. Nós estamos prestes a firmar um termo de cooperação técnica com a UFMT para que seja produzido um estudo chamado ‘Saúde e Trabalho: promoção de territórios saudáveis e sustentáveis nas cadeias produtivas do agrotóxico de Mato Grosso. É um projeto que nos inspira justamente porque você busca fazer o link entre agrotóxicos e câncer, então o que algumas entidades já vêm comprovando ao redor do mundo nós pretendemos comprovar aqui em Mato Grosso”.
Ele asseverou que, apesar do desafio ser enorme, é necessário unir forças e articular a atuação dos segmentos e instituições que têm como propósito fazer valer os dispositivos constitucionais de respeito ao meio ambiente. “E para que isso? Nós, como defensores da ordem jurídica, não podemos esquecer nunca que o ser humano está na base de tudo. (…) Você trabalha com dados abstratos muitas vezes, mas hoje temos dados concretos, nós temos o espelho de Mato Grosso e nós queremos ampliar esse espelho para abrir os olhos da população, dos produtores, dos trabalhadores e dos legisladores”, concluiu.
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