Negociatas políticas: Cooptação e Adesão

Em determinadas épocas, algumas palavras ficam excessivamente desgastados. Como Bolsonaro só pensa em ditadura, não se cansa de falar em liberdade e democracia. Ao tempo do regime militar de 1964, além daquelas, palavras como cooptação e adesão se tornaram comuns no linguajar político.

Jovens líderes, com discursos inflamados, contra o regime, atuação marcante nas entidades, de uma hora pra outra desapareciam: ou haviam sido sequestrados, ou cooptados. No primeiro caso, a própria vítima se interessava em que a notícia se espalhasse, mesmo de orelha a orelha, discretamente, pois todo mundo temia comentar os sequestros. A divulgação era uma forma de proteção para não desaparecerem de vez com a vítima. Na cooptação, acontecia o contrário: o envolvido procurava esconder tudo, pois normalmente os se oferecia alguma vantagem expressiva (um bom emprego, uma bolada de dinheiro, uma bolsa para estudar fora etc.), algo que convencesse o líder radical a mudar de posição.

Ao longo da minha árdua e sofrida vivência nesse meio, assisti de tudo e recebi todo tipo de proposta, inclusive quando vereador e deputado e até como prefeito. Resisti a todas, pagando caro por cada negativa. Quando líder estudantil e jornalista, o governador Otavio Lage me ofereceu um cargo de fiscal de rendas do Estado. Outros colegas aceitaram e até já se aposentaram. Agradeci, mesmo reconheço que agiu por gratidão aos repórteres que o acompanhavam. Tempos depois acabei sequestrado e amarguei a tortura na prisão política; quando vereador, recusei aderir e me destituíram da presidência da Câmara. Na Assembléia eu era o mais votado da Capital e líder da Oposição. O governador Ary Valadão me propôs então mudar de partido e assumir a Prefeitura de Goiânia. Receberia também vultosa quantia em dinheiro e uma vaga no Tribunal de Contas para a esposa. Na época os governadores nomeavam os prefeitos das capitais e cidades acima de 200 mil habitantes.

Eu sonhava com a Prefeitura, porem quando houvesse eleições diretas, pelas quais lutava. Recusei para não prejudicar a campanha de Iris ao Governo, o qual cedeu às pressões do Daniel Antônio e o apoiou. Outros colegas se saíram melhor: o Wolney Martins, nomeado prefeito de Anápolis, reelegeu-se depois; o Joceli Machado presidiu o Ipasgo; o João Felipe e o Wander Arantes foram para o Tribunal de Contas. Quem mais sofreu com a adesão foi o deputado Clarismar Fernandes: por ser o primeiro, tornou-se alvo de sórdida campanha do MDB.

Pois não há de ver que até em Aragarças sofro por essa rigidez. Só que pelo avesso: ao invés de receber teria de pagar. No vocabulário local, a palavra caráter não costuma figurar. Por várias vezes a Câmara cassou meu mandato de prefeito, exatamente por não pagar propina. Vejam onde eu vim parar… Ainda bem que o Tribunal de Justiça preserva nível mais elevado nesses julgamentos.

Como a corrupção se protege no autoritarismo, Bolsonaro serve de exemplo, pois já se envolveu com o Centrão, referência maior das negociatas políticas, certamente para salvar seus milicianos e o gabinete do ódio.

Jose Elias Fernandes jornalista, político, escritor, ex-deputado e atual prefeito de Aragarças

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