Porandubas Políticas – Por Gaudêncio Torquato

Gaudêncio Torquato

Lula

Este analista tem caminhado na direção oposta ao de vários comentaristas de política. Por exemplo, minha leitura sobre Lula é esta: só será candidato se houver uma forte e insuperável mobilização social. Articulações, alianças e compromissos, novas Cartas aos Brasileiros e outras ferramentas do arsenal da política não serão suficientes para tornar Lula candidato. Há um conjunto de fatores que ancoram esta hipótese, a saber: o espírito do tempo; a sombra do passado; a mesmice expressiva; a divisão do país.

O espírito do tempo

Cada ciclo tem sua identidade. Os fatos do presente podem até ter semelhança com o passado, mas o espírito do tempo respira os ares do hoje. O espírito do tempo, que acolheu Lula no passado, compunha-se de um conjunto de circunstâncias que empurravam o poder para seu colo. Depois de Lula e de Dilma, 13 anos, o país entrou em uma nova rota. Ares renovados, escândalos vindos à tona, vísceras expostas de líderes e partidos, versões dando lugar à verdade. Ninguém atravessa um rio duas vezes no mesmo lugar.

Sombra do passado

O passado tem duas facetas: a de saudades, dos entes queridos que se foram, do bucolismo e do atavismo que nos levam às pracinhas de nossa infância, do cheiro de terra molhada pela chuva, das brincadeiras e das músicas que nos embalavam. O passado que não volta mais. Mas há outra faceta: o tempo das coisas nefastas, dos grandes escândalos, da corrupção perversa, dos crimes, das traições e emboscadas, enfim, da maldade instalada nos espaços do nosso território. Esse passado é repelido. “Sai pra lá, peste”. Pois bem, esse passado abriga os protagonistas que participaram dos acontecimentos. Não serão assépticos, limpos, em pouco espaço de tempo. O perfil de Lula estará sob a sombra do passado. Aristóteles pontuava: “pode-se considerar o caráter de uma pessoa como o mais eficiente meio de persuasão de que se dispõe”.

Mesmice expressiva

O nosso sistema cognitivo é dotado de alavancas para aceitar ou rejeitar o discurso. Clyde Miller designa-as de alavancas psíquicas. A primeira é a adesão, fazendo que as pessoas aceitem ideias, por associá-las a coisas consideradas. Democracia, pátria, cidadania, liberdade, justiça estão nesta lista. Estamos falando de conceitos considerados positivos e bons. A segunda é a alavanca da rejeição, o contraponto, que procura convencer a massa a rejeitar pessoas, coisas, associando-as a símbolos negativos, como guerra, morte, fome, imoralidade, corrupção. A terceira é a autoridade, que traduz valores da experiência, conhecimento, sabedoria, domínio. Deus é a síntese desse escopo. Outros exemplos: Gandhi, Jânio Quadros. Por último, a alavanca da conformização, cujo apelo se volta para a solidariedade, a união, a irmandade. “A união faz a força”. Procurem, agora, associar a voz rouca de Lula em palanque com algo. Identifica-se mais com aspectos positivos ou negativos?
A divisão do país

Lula é sempre lembrado pela divisão do país em duas bandas:

nós e eles, mocinhos e bandidos. Essa imagem é muito ruim. Destrói a alavanca da unidade, da solidariedade, da harmonia social. E estamos vivenciando um momento em que o lema deve ser suprapartidário, acima das ideologias. Será muito difícil ao PT eliminar os vestígios dos tempos em que pregava “a luta contra a zelite”.

A favor de Lula

Há um argumento que as margens podem correr na direção de Lula. Trata-se da hipótese que, há tempos, é inafastável de meus comentários: a equação BO+BA+CO+CA. Ou seja, o uso de instintos em campanhas eleitorais: combativo, nutritivo, sexual e paternal. Destaco o instinto nutritivo. Minha hipótese para explicar o processo de decisão de voto parte do cinturão econômico, ciclicamente usado por governos para afrouxar ou apertar a barriga do eleitor. O xis da questão resume-se na equação: bolso (BO) cheio enche a geladeira, satisfaz a barriga (BA), emociona o coração (CO) e induz a cabeça (CA) dos bem alimentados a recompensar os patrocinadores do pão sobre a mesa. E o troco, a recompensa? O voto na urna. A recíproca é verdadeira. Bolso vazio é reviravolta eleitoral. As massas podem fazer associação com Lula abrindo os dutos do consumo. Mesmo assim, este analista não crê em sua candidatura.

Fecho a coluna com mais um pouco de humor.

Idôneo, o comandante

Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado:

– Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo.

O coronelão relaxou e gritou para a galera que o ouvia:

– Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo.

(Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre)

Seja o primeiro a comentar sobre "Porandubas Políticas – Por Gaudêncio Torquato"

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado.


*