O presidente Lula e os 27 governadores – empossados em 1º de janeiro – atingirão no sábado, 10 de abril, a marca dos 100 dias de governo. No raciocínio propagandista que envolve a data, eles já fizeram as alterações de equipes e procedimentos e estão prontos para levar a termo o mandato de quatro anos conquistado nas eleições de outubro.
Apesar do oba-oba, a data não é diferente das outras 364 datas que compõem o ano. Não há a garantia de que os governantes tenham realmente tido condições ou vontade de usar a primeira centena de dias na estruturação das respectivas administrações. É necessário, no entanto, lembrar que os eleitos tiveram 45 dias de campanha, onde diziam tudo o que iriam fazer e, com isso ganharam os votos. Depois, em 60 dias de transição, deram entrevistas que pareciam aulas da tarefa que executariam e, agora, chega-se aos 100 dias de empossados com interrogações. Somados os três períodos (45+60+100), temos 205 dias, isto é, quase 7 meses. Quem lá no começo, durante a campanha pelo rádio e televisão, já dizia o que fazer e como fazer, não tem desculpas e a demora nas ações já começa a irritar o eleitorado que acreditou em sua palavra. Só há um caminho: cumprir.
Lula, por exemplo, é cobrado quanto à definição do plano de governo e reformas que ainda dependem da discussão e votação no Congresso Nacional; o governador do Distrito Federal não terá os 100 dias a comemorar porque esteve afastado 65 deles em razão da denunciada omissão de sua equipe de segurança no quebra-quebra, ocorrido em 8 de janeiro, nas sedes da Presidência da República, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. Governadores da maioria dos Estados empregaram boa parte do tempo no socorro às vítimas das chuvas, deslizamentos e inundações. No Rio Grande do Norte, o período foi tumultuado pelos ataques do crime organizado, que aterrorizam capital e interior.
Tudo isso, mais os revelados esquemas para matar o senador Sérgio Moro e outras autoridades, o desfecho e prisões do que se convencionou denominar atos antidemocráticos e, de quebra, a volta das invasões do MST. Esses fatos, sem qualquer relação com o marketing dos 100 dias, causam a mobilização de deputados e senadores pela montagem de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) que poderão agitar a política nacional durante meses e até levar a soluções radicais decorrentes do que for apurado.
Não se pode ignorar que a maior causa do clima de incerteza que tira o brilho atribuído aos 100 dias vem da polarização política que levou Dilma Roussef ao impeachment, à prisão, libertação e reeleição de Lula e à eleição de Bolsonaro. Hoje temos um presidente de fala incontida e a volta de Jair Bolsonaro, seu antecessor e adversário que explicita o propósito de liderar a oposição, é alvo das críticas do presidente e ameaçado por esquemas que tentam obter sua inelegibilidade. Um quadro que em nada favorece ao País.
Embora tenha se transformado em ato quase obrigatório de presidentes, governadores e prefeitos, a comemoração dos 100 dias de um governo não passa de um acontecimento midiático e sem consequências. O povo já compreendeu que as promessas desse dia dificilmente se concretizam porque sua utilidade é apenas a criar um clima favorável ao governo recém-empossado.
Quem – como nós – se dispuser a buscar a raiz da comemoração, vai dar de cara com Napoleão que, esteira da Revolução Francesa, governou a França durante 10 anos (1804-1814). Deposto, foi aprisionado na ilha de Elba, de onde fugiu em fevereiro de 1815. Em 20 de março reassumiu a França no chamado “Governo dos 100 Dias” que, na verdade, durou só 80 pois, derrotado na batalha de Waterloo, foi novamente deposto, em 22 de junho, pelas tropas da Sétima Coalizão e exilado na Ilha Santa Helena, no Atlântico Sul, onde morreria seis anos depois.
A história de Napoleão não aconselha comemorar os 100 dias de governo. Foi nesse período que ocorreu o seu declínio…
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves
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