As mortes políticas e a impunidade

É, no mínimo, escandalosa, a informação de que 2053 brasileiros morreram, desde a Anistia (1979), assassinados por motivação política, e que, só desde a morte da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro – em março de 2018 – o País contabiliza 327 vítimas fatais desse mesmo crime. Estima-se que, atualmente, um político morre matado a cada seis dias. E o mais desolador é que muitos dos crimes nem são reconhecidos como tal e só 20% acabam chegando ao nível de receber denúncia pelo Ministério Público. Esse quadro, além de atestar a insegurança, demonstra estar a nossa sociedade doente a ponto de não conseguir manter um ambiente salutar até mesmo para os seus dirigentes institucionais. Se há essa insustentabilidade para a vida do político, imagine-se o que ocorre ao redor do cidadão comum, habitualmente carente dos serviços e segurança do Estado e convivente com o clima de impunidade que ao longo dos anos foi se estabelecendo sob o pretexto de praticar a democracia e respeitar os direitos humanos.

O que o governo está realizando em busca do deslinde do assassinato de Marielle e de seu motorista é uma atividade louvável na medida em que leve a todos os envolvidos com o crime. Mas não de ficar restrito a Marielle. É preciso que esse procedimento se torne rotina disseminada em todo o território nacional. Não se deixe continuar sob os panos os que – como mandantes ou colaboradores – criaram as condições para o dito psicopata Adélio Bispo dar a facada em Jair Bolsonaro, então candidato à presidência da República, e nem os envolvidos nas mortes dos prefeitos Celso Daniel (de Santo André/SP) e Toninho do PT (de Campinas/SP), brutalmente assassinados e até hoje com seus casos em aberto e dezenas de mortos subsidiários supostamente resultantes de queimas de arquivos. É preciso chegar a todos que tenham culpa no cartório, independente de quem seja e de quais as suas ideologias, ligações e motivações. Não pode o Estado institucional afrouxar nas apurações mediante a possibilidade de encontrar na ponta da linha alguém que não interesse incomodar. É preciso apurar o tipo penal presente e só depois dessa definição atentar para a identidade do cometedor que – seja qual for – tem de pagar pelo crime segundo o previsto no ordenamento jurídico-penal nacional.

Os mais de 2 mil homens (e mulheres) públicos abatidos nessas quatro décadas certamente teriam prestado grandes serviços às respectivas comunidades se interesses obscuros não tivessem encerrado prematuramente suas trajetórias. E o mais desapontador é que a maioria deles nem teve reconhecida a natureza política de seu perecimento e os responsáveis permanecem impunes e em condições de continuar a dizimar aqueles que cruzam seus caminhos. Chega de matar deputados, prefeitos, vereadores, lideres comunitários e outras figuras públicas. E, quando isso ocorre, há que se apurar severamente as responsabilidade para punir executores, mandantes e outros envolvidos.

Que os algozes de Marielle e Anderson Gomes sejam identificados, denunciados, julgados e cumpram as respectivas penas. E assim se faça em relação a todos os crimes políticos e seus envolvidos. Temos a certeza de que se em vez de protelar as apurações, o Estado for para cima dos agressores, estará automaticamente protegendo a vida dos seus agentes públicos e nem precisará se esforçar para ampliar as penas para aqueles que agredirem ou ofenderem o presidente da República, ministros do STF e outras autoridades. Os ataques – quando acontecem – são decorrências do clima de impunidade e afrouxamento do cumprimento das penas que se institucionalizou no passados anos. Acabarão por completo se todo potencial agressor tiver a certeza de que os fatos serão investigados e os envolvidos devidamente apenados.

Por derradeiro, espera-se do ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, o mesmo empenho e técnica empregados no caso Marielle, para identificar, na medida do possível processar e condenar os que mandaram matar os prefeitos Celso Daniel e Toninho do PT e, também, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Esses casos pontuais darão lastro e embasamento para o arresto dos autores de crimes políticos que ainda não tiverem atingido o prazo legal de prescrição. Será um grande avanço…

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) 
aspomilpm@terra.com.br 

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