Agro brasileiro: Produtividade, competitividade e sustentabilidade

Décio Luiz Gazzoni

Por Décio Luiz Gazzoni

Os agricultores europeus tinham diversos motivos para protestarem nas ruas, no final de 2023 e início de 2024. Mas, sem dúvida, um dos principais era o temor de uma competição direta na arena comercial do mercado europeu, com os produtos brasileiros. E esse temor tem fundamento, pois o agro brasileiro é um dos mais competitivos do mundo e, em diversos produtos, o mais competitivo. O que obriga concorrentes a buscarem artificialismos como barreiras protecionistas e subsídios, para não perderem mercados para o Brasil.

Mas não basta discursar – dizer que somos altamente competitivos – isso é recurso de quem não dispõe de fatos e números para apresentar. E nós já os tínhamos, mas um “texto para discussão” do IPEA publicado em março de 2024 (bit.ly/3TYKvuD) organiza didaticamente os elementos de discussão no tema. Para o estudo, foram utilizadas as bases de dados da FAO e do Banco Mundial, atualizadas até 2021.

O texto é particularmente importante para o embate de comunicação e negociação internacional, efetuando um comparativo entre países, acerca da sustentabilidade produtiva e do efeito poupa-florestas na agricultura. Ao longo de 48 páginas – para as quais recomendamos sua leitura – é demonstrada a importância dos ganhos de produtividade no agronegócio, para ocupação dos espaços mercadológicos, com sustentabilidade.

Exportações

O primeiro aspecto que chama a atenção é a consolidação do Brasil como maior exportador líquido de produtos do agro, embora seja o terceiro exportador bruto. Ocorre que o principal exportador (EUA, US$ 173,7 bilhões) importa quase esse valor (US$172,4 bilhões), tornando-se o 32º exportador líquido. A Holanda, segundo maior exportador bruto, também importa muitos produtos agrícolas, incluindo o draw back, que é a importação para processamento e reexportação. E aí vem o Brasil, com exportações de US$101,5 bilhões versus importações de US$12,4 bilhões. Pero Vaz Caminha não escreveu, mas poderia tê-lo feito: “… nessa terra, em se plantando tudo dá!”. E de forma sustentável e competitiva.

Sim, dá, mas com tecnologia adequada, com oferta de solo e clima, com empresários agrícolas que estão entre os melhores do mundo, com sistemas de produção, atitudes e políticas públicas voltadas para que tenhamos agricultura competitiva e sustentável.

O Brasil transaciona com, praticamente, todos os países do mundo. Para comparar, o texto do IPEA mostra que os países agroexportadores da Europa transacionaram a maior parte dos produtos agropecuários dentro do próprio continente; Estados Unidos e Canadá também transacionam boa parte do comércio de produtos agropecuários entre si. Apesar da diversidade, seguindo uma tendência da década passada, o agro brasileiro tem como maior destino comercial o mercado asiático, que responde por 64% do valor das exportações.

Florestas

O setor florestal é pauta recorrente, tanto na mídia, quanto nos discursos de autoridades e ONGs, em especial na Europa. Porém, raramente, os fatos e números brandidos correspondem à realidade. De acordo com o IPEA, o Brasil é o país com a maior proporção de terras preservadas, com 60% de todo o seu território em 2020. Comparemos com a Europa: preservação de 39%, exceto na Holanda (o segundo maior exportador mundial!), onde esse resultado foi inferior a 20%. Nos Estados Unidos, na China e no Canadá, esse percentual ficou em torno de 35%.

Além das áreas de vegetação nativa, ocorreu no Brasil um crescimento das florestas plantadas, com média geométrica de 5,8% a.a., entre 2000 e 2020. Esse resultado foi o maior entre os países analisados, seguido pelo Canadá (3,4%) e pela França (2,2%).

O estudo avança no tema ao utilizar um conceito: o Efeito Poupa Floresta (EPF). Trata-se de um índice de impacto da mudança do patamar tecnológico da produção agropecuária, expresso em porcentagem, que mostra a área poupada pelo avanço tecnológico.

Por esse índice, o EPF do Brasil, entre 1990 e 2020, é de 43,2%, medalha de ouro inconteste. Muito atrás surge a Espanha (20,4%), os Estados Unidos (8,9%), a Itália (4,3%) e uma série de países com índices abaixo de 3%. Destaque-se que há casos de índice negativo, como o da Bélgica (-3,3%). Tanto o aspecto Poupa Floresta, quanto a condição de maior exportador líquido do mundo, haviam sido analisados anteriormente em uma publicação da Embrapa (bit.ly/4aAAAAy).

Emissões

Em uma era em que o mundo é arrastado para a beira do precipício pelas mudanças climáticas (haja vista o que ocorreu no Rio Grande do Sul), não há como falar em sustentabilidade sem reportar-se às emissões de gases de efeito estufa. O Brasil é o terceiro maior emissor do mundo, ainda assim com 17% das emissões da China (1º) e 47% daquelas dos EUA (2º).

Nosso calcanhar-de-aquiles está nas emissões da agricultura e das mudanças do uso da terra, os mais elevados. Nosso desafio é trazê-las para o patamar das nossas emissões de energia (30% das emissões brasileiras), pois todos os demais países apresentam emissões desse setor superiores a 80% de seu total, com picos acima de 90% nos EUA e Alemanha.

Reduzir as emissões por mudanças do uso da terra é perfeitamente possível. O Brasil pode duplicar sua produção nas próximas décadas valendo-se de incrementos sustentáveis de produtividade por avanços tecnológicos, pela reincorporação de áreas degradadas, pelo uso da mesma área para duas ou três colheitas no mesmo ciclo, e pelo uso de tecnologias como a integração lavoura-pecuária (ILP), entre outras. Sem recorrer a desmatamento.

O texto do IPEA sublinha que as emissões do setor de energia consistem, preponderantemente, de CO2. Já as emissões da agricultura compõem-se, primordialmente, de metano e de óxido nitroso. As emissões desses gases são mais facilmente controláveis, pelo uso de tecnologias adequadas e sistemas de produção que objetivem a sua redução. Alguns exemplos: a substituição de adubo nitrogenado por inoculação, a eliminação da queima da palhada da cana na lavoura, o uso de biodigestores e a adoção de programas como carne carbono neutro (bit.ly/3TBBzK9).

Trajetória mais sustentável

 Há outras boas notícias que prenunciam um futuro mais promissor. O Brasil lidera o crescimento da produtividade total dos fatores (PTF), tanto por emissões totais quanto por aquelas do setor agropecuário. De 1990 a 2018, a PTF brasileira por emissões totais registrou o maior aumento, com 3,7%. Já de 2010 a 2018, a taxa de crescimento da PTF no país foi ainda mais expressiva, atingindo cerca de 7,4%.

Destarte, o IPEA mostra que o Brasil liderou o crescimento da produção por unidade de emissão de GEE, nas últimas décadas. Por exemplo, em 1990, o Brasil emitia 1 t de carbono para produzir 243 t de produção agrícola. Em 2020, com a mesma emissão, a produção foi de 774 t, três vezes maior. Nenhum outro país do mundo conseguiu algo similar ao obtido pelo Brasil!

Essa é a trilha que temos que seguir. A soja é um exemplo didático de como reduzir emissões. Praticamente toda a soja cultivada no Brasil utiliza o sistema de plantio direto e a inoculação com bactérias fixadoras de nitrogênio. O uso de tecnologias como o ILP e Programas de Manejo de Pragas reduzem as emissões. A Embrapa demonstrou que a colocação de apiários nas bordas de lavouras de soja (polinização assistida) aumenta a produtividade média em 13%, sem alteração do sistema de produção, o que significa redução de 13% nas emissões de gases de efeito estufa, por unidade de produto ou de área, e aumento correspondente na renda líquida do produtor, que lhe confere maior resiliência e competitividade. Além de preservar a biodiversidade.

Voltemos às comparações do texto do IPEA. Na Europa, a Política Agrícola Comum (PAC) foca, teoricamente de modo correto, no desenvolvimento sustentável. Aponta para o aumento da produtividade e da renda dos agricultores, perseguindo o abastecimento de alimentos a preços mais baixos. Em 2019 foi destinado à PAC o valor de € 58,8 bilhões – 36% do orçamento da União Europeia. Do total, 70% são subsídios diretos, que remuneram os agricultores pela preservação ambiental.

Entrementes, as evidências indicam que a PAC não tem sido efetiva para promover a adoção de tecnologias ambientalmente corretas. Ao contrário, os subsídios pagos ao produtor distorcem o mercado, inclusive induzindo o uso de práticas agrícolas que contribuem com a deterioração do meio ambiente, de acordo com o IPEA. E sequer resolvem o problema da competividade – razão principal dos protestos!

Brasil e o mundo

A discussão proposta pelo texto publicado IPEA é bem-vinda. Discussões sérias lastreiam-se em fatos e números comprováveis, não em discursos e elucubrações como as que circulam nas redes sociais, sem fundamento técnico ou científico.

De nossa parte, o texto referenda o que afirmamos há tempos: 1) O mundo tem uma relação de amor e ódio com o Brasil: de amor, porque o Brasil é uma garantia de abastecimento de alimentos, agora e no futuro; de ódio, porque nossa competitividade desloca concorrentes no mercado – e ninguém gosta de perder mercado. 2) O agro europeu não aguenta cinco anos de competição direta com o agro brasileiro, em um ambiente de competição natural, sem protecionismos e sem subsídios.

Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja. Membro do Comitê Estratégico Soja Brasil, do Conselho Científico Agro Sustentável, do Comitê Científico da ABELHA e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica

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