por Dartagnan da Silva Zanela (*)
Todas as cidades brasileiras, cada uma com sua especificidade, têm inúmeras histórias pitorescas para contar quando o assunto são eleições municipais. Algumas, inclusive, acabam entrando para o “folclore” local, outras tantas, para os anais da história.
Historietas à parte, podemos dizer que um elemento que frequentemente é apresentado aos cidadãos, como ares de comédia bufa, são os tais “planos de governo”. Sim senhor! Eles mesmos. Planos que, de quatro em quatro anos, são deixados na porta da casa dos eleitores, ou jogados na rua mesmo, para que as pessoas tenham a oportunidade ímpar de conhecer as pretensões cívicas dos postulantes ao cargo de Prefeito.
Em termos gráficos, o material até que é bem vistoso, independente de quem seja o abençoado do candidato, pouco importando qual seja a municipalidade.
De um modo geral, os tais “planos” têm a forma de uma revista, impressa em papel de boa qualidade, com muitas cores, inúmeras fotos e tudo aquilo que, se o cabra for eleito (ou reeleito), será “realizado” nos anos vindouros.
O problema – e, nesse caso, há uma penca deles – é que muitíssimos candidatos, de norte a sul do Brasil, não sabem a diferença abissal que há entre uma carta de intenções e um plano de ação e, por não saber, ou por ignorar essas diferenças, muitos acabam terminando apresentando somente um punhado de promessas vagas como se isso fosse um “plano de metas” exequível em um quadriênio.
Com toda certeza, o amigo leitor já deve ter se defrontado com alguns trambolhos com essa feição que, de fato, são lidos pelas pessoas e, por conta da forma desleixada que as “propostas” são apresentadas, estas acabam tornando-se motivo de piada nas rodas de conversa e nos grupos do whatsapp. E se esses trens fuçados não são motivo de chacota, temos algo de errado aí e, como dizem os jovens: algo errado, certo não está.
Ora, um plano de governo, como toda e qualquer proposta de ação, necessariamente tem que conter alguns quesitos básicos para ser, realmente, levado a sério. Elementos esses que, diga-se de passagem, são “o básico do básico do básico” para a realização de qualquer coisa.
O primeiro, como todo mundo sabe, é esse: aquilo que está sendo proposto se coaduna com o orçamento do município? A arrecadação realmente é suficiente para realizar todas as proezas que são apresentadas com aquela boniteza no “plano de governo”? Se sim, como será a distribuição desse orçamento para cada uma das atividades que estão sendo propostas? Ora, se não há essa clara discriminação orçamentária, isso não é um plano, nem aqui nem na casa do chapéu. É apenas mais uma conversa mole para o eleitor rir, na melhor das hipóteses.
O segundo ponto que deve se fazer presente em um plano de ação é esse: como essas atividades serão realizadas? Esse negócio de dizer que se irá pintar e bordar um futuro melhor sem dizer claramente como isso será feito, francamente, não parece ser um plano não, mas sim, apenas e tão somente mais uma opereta de malandro, tocada no coreto da pracinha de Sucupira, de Odorico Paraguaçu. Só isso e olhe lá.
Terceiro ponto, não menos importante, é o prazo. Isso mesmo! O dito-cujo do prazo. Se dizemos que vamos realizar alguma coisa, e se realmente sabemos o que estamos fazendo, necessariamente somos obrigados a apresentar uma estimativa do tempo que precisamos para executar as metas propostas. Caso contrário, é apenas mais uma cilada para pegar alminhas desavisadas.
Por fim, não menos importante, seria o eleitor ser informado de quais seriam as pessoas que, junto com o postulante à cadeira do executivo, irão se responsabilizar pela execução do plano de governança. Quais seriam os possíveis nomes que viriam a integrar a sua equipe de gestão? Qual seria a composição do seu secretariado?
Diante do exposto, podemos dizer, com certa inquietude, que um punhado de promessas vagas, reunidas numa revistinha toda pomposa, colorida e bem impressa, como se fosse um “plano de governo”, acaba, sem querer querendo, falando muito mais do que seus autores gostariam que fosse dito.
Em alguns casos, fica claro a grande falta de respeito pela inteligência do cidadão e, noutros, fica evidente a presença de interesses nem um pouco republicanos em relação à coisa pública. Nalguns casos, as duas, juntas e misturadas.
Enfim, como nos ensina o escritor Humberto de Campos, nesse momento, em que somos convidados a sufragar nossa opinião a respeito dos rumos que o município, onde residimos, deve tomar nos próximos quatro anos, é de fundamental importância que procuremos ser senhores de nossa vontade e escravos da nossa consciência.
Imagino que cada um de nós sabe o que é melhor para as futuras gerações e, se não o sabemos, com o perdão da palavra, está mais do que na hora de “garrarmos” vergonha nas ventas e passarmos a refletir sobre isso com a devida seriedade e com a indispensável serenidade, mesmo que as opções que temos estejam muito abaixo das nossas expectativas [depre]cívicas.
(*) professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros.
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