Konrad Felipe/Jornalista – konradfelipe@gmail.com
Em um país onde a fila do SUS serpenteia como rio sem foz, onde professores lutam por piso enquanto políticos flertam com o teto, onde a fome ainda visita cozinhas e o futuro bate à porta pedindo esmola, temos uma prioridade emergencial sendo tratada no Parlamento: a visita de Angelina Jolie ao Xingu.
Sim, você leu certo. A atriz de Hollywood — aquela mesma que já resgatou refugiados, desafiou ditadores em silêncio e doou milhões para causas humanitárias — agora virou assunto de Estado para a deputada Coronel Fernanda, do PL. Com direito a requerimento oficial, pedido de explicações e, claro, aquele tom de desconfiança quase maternal com que certos setores tratam tudo que cheira a empatia.
A parlamentar quer saber se Angelina foi vacinada contra febre amarela, covid e até H1N1 antes de pisar em solo indígena. Quer a lista da comitiva. Quer contratos, autorizações, termos assinados. Quer saber se a atriz entrou com o pé direito ou esquerdo na aldeia Piaraçu. E talvez, se pudesse, quisesse até saber o nome do filtro solar usado por Jolie sob o sol do Xingu.
A justificativa? “Se há flexibilidade para estrangeiros, por que não para os parlamentares da comissão externa que investiga a crise dos Yanomamis?” Ora, deputada… talvez porque os Yanomamis não estão interessados em selfies com políticos, mas em socorro real. Talvez porque enquanto a senhora pergunta sobre protocolos, Angelina escuta mulheres Kayapó com a reverência que muitos nunca ofereceram a um povo inteiro.
Faz lembrar aquela máxima antiga: há quem vá ao Xingu para aparecer, e há quem apareça no Xingu para ouvir. Angelina fez o segundo. E, convenhamos, o Brasil bem que precisava de mais gente assim — com menos microfone e mais escuta, com menos farda e mais empatia.
Enquanto isso, no Parlamento, seguimos ocupando tempo e papel oficial com o que, honestamente, deveria ser motivo de orgulho e não de interrogação. Se a presença de uma ativista global num território indígena incomoda tanto, talvez não seja sobre ela — mas sobre nós.
No mais, deixem Jolie em paz. Ela veio, ouviu, se encantou. E se tudo correr bem, levará consigo o eco da floresta e das vozes que ali resistem. Já nós, talvez devêssemos olhar menos para Hollywood e mais para a porta do nosso gabinete, onde os verdadeiros problemas batem — sem assessor, sem maquiagem e sem glamour.
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