Konrad Felipe – Jornalista
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Na última sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi alvo de um espetáculo que envergonha qualquer instituição democrática: desrespeito, misoginia, arrogância e desinformação foram servidos em larga escala por senadores que, diante do contraditório, perderam qualquer senso de civilidade. A cena que deveria ser de debate técnico sobre licenciamento ambiental virou uma arena de ataques pessoais, com insultos dirigidos a uma das figuras mais respeitadas do país e do planeta em matéria ambiental.
Tudo começou com a passagem da ministra pela comissão – uma formalidade que, em tese, deveria servir ao diálogo institucional entre o Executivo e o Legislativo. No entanto, o presidente da sessão, em vez de exercer seu papel de mediador, optou por ser incendiário. Disse, com todas as letras, para a ministra: “ponha-se no seu lugar”. E quando ela tentou se defender, foi taxada de “mal educada”. Não bastasse o tom autoritário, a fala foi carregada de condescendência e desprezo, revelando o incômodo que ainda existe, em setores do Congresso, diante de uma mulher negra, intelectual e combativa ocupar um posto de poder.
A ministra Marina Silva tentou responder à altura. Mas o ambiente já havia sido completamente contaminado por hostilidade. Senadores a acusaram de ser um entrave ao progresso. Reduziram a complexidade do licenciamento ambiental a um problema de “falta de resolutividade”. Disseram, sem vergonha alguma, que “Brasília levaria 100 anos para ser construída” se dependesse das regras de hoje. Um deles chegou a ironizar que “se um calango tivesse ali, o Ibama não permitiria a obra”. Roteiro digno de um teatro de absurdos.
É preciso lembrar que Marina Silva foi convidada àquela comissão como ministra de Estado – portanto, como autoridade da República. Mas nem isso lhe garantiu o respeito mínimo. O senador Omar Aziz, ao longo da sessão, deixou claro que não reconhece legitimidade no trabalho do Ministério do Meio Ambiente. Criticou a falta de fotos da ministra com representantes do agronegócio ou do setor de mineração. Marina respondeu com firmeza: “fazer política pública com técnica e ética não exige espetáculo”.
Mas foi o senador Plínio Valério quem protagonizou o momento mais vergonhoso da tarde. Em tom professoral, disse: “ao olhar pra senhora, eu tô vendo uma ministra. Eu não tô falando com a mulher. A mulher merece respeito. A ministra, não”. A frase é de um sexismo tão escancarado que dispensa maiores análises. Diante dessa violência verbal, Marina exigiu um pedido de desculpas. Não veio. E, com dignidade, se retirou da sessão.
Ao sair, ela explicou: “meu lugar é o da defesa da democracia, da proteção ambiental, do desenvolvimento sustentável. Fui convidada como ministra, e como ministra merecia respeito”. Não recebeu. E não foi por acaso. O episódio revela uma tentativa deliberada de desmoralizar quem representa uma pauta que incomoda setores retrógrados do Senado: a proteção ambiental.
A nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que tramita de forma açodada e sem diálogo amplo, foi aprovada no Senado por 54 votos a 13. É um projeto que, segundo ambientalistas do Brasil e do mundo, flexibiliza regras importantes para empreendimentos de alto impacto. Legaliza práticas perigosas, abre brechas para abusos, enfraquece o poder de fiscalização. Tudo em nome de um suposto “progresso”, como se destruir o patrimônio ambiental fosse um atalho aceitável para o desenvolvimento.
Marina Silva sempre esteve na linha de frente das grandes batalhas ambientais do Brasil. Sobreviveu ao preconceito, à pobreza, ao ostracismo político e segue sendo uma voz ética e coerente, mesmo quando isso custa caro. Ao se retirar daquela sessão, ela fez mais que um protesto: ela resgatou a própria dignidade.
Já os senadores que a atacaram, esses continuarão presos à história como personagens menores. Como homens que, em vez de argumentos, usaram gritos. Em vez de diálogo, usaram a força bruta das palavras. E que perderam, naquele momento, a oportunidade de honrar o cargo que ocupam.
À ministra Marina Silva, toda a nossa solidariedade. E ao Brasil, o nosso alerta: sem respeito, não há democracia. Sem democracia, não há futuro – nem para as pessoas, nem para o meio ambiente.
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