Agressores são reabilitados em Barra do Garças e só 3% reincidem

Trabalho integrado entre PJC, PM, Politec, Defensoria, MPE, Judiciário e Município é premiado nacionalmente

Débora Siqueira | Sesp-MT

Injustiça, revolta, indignação. Esses são os sentimentos comuns no primeiro dia do encontro do Grupo Reflexivo dos Homens, sentenciados ao programa de reabilitação pelo Poder Judiciário de Barra do Garças (500 km ao Leste de Cuiabá). “Não sei por que estou aqui. Eu estava numa pizzaria com a minha namorada, minha ex-mulher chegou e na hora ligou para a mãe dela, que acionou a polícia. Tenho que ficar distante 400 metros dela, mas às vezes acabo deparando com ela. Barra do Garças é uma cidade grande demais né”, ironizou F., durante a dinâmica de grupo.

Era a primeira das terças-feiras das quatro que ele terá que participar e refletir sobre a conduta de agressor. Muitos sequer têm noção de que um xingamento ou uma ameaça verbal também se enquadra na Lei Maria da Penha, como o caso de um servidor público estadual.

“Em uma viagem de trabalho tive o caso com a mulher, ela engravidou, pago pensão e ela fica me ligando. Um dia eu não aguentei e falei umas coisas para ela e agora estou aqui”, reclamou ele, e muitos dos 20 homens do local acenavam a cabeça em concordância com o parceiro de terapia em grupo.

Contudo, a resistência é quebrada ao longo dos encontros, quando eles vão reconhecendo e reavaliando as atitudes. Os casos de reincidências dos agressores em Barra do Garças não ultrapassam 3%, enquanto a média nacional é de 10%.

Um desses casos é de um homem que já passou 10 vezes pelo programa de reabilitação. Contudo, a obsessão pela ex-mulher é tão grande que ele destelhou a casa dela para tentar matá-la enforcada. “Em situações assim, de um relacionamento obsessivo em que o agressor não reavalia a conduta, se torna um caso de privação de liberdade”, explicou a coordenadora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Kelle Regina Santana.

Após o tratamento no grupo reflexivo, esses mesmos agressores vão fazer a avaliação de como foram tratados pelas forças de segurança, para que as polícias militar e civil analisem onde precisam melhorar.

Premiação nacional

A realidade da Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica Contra a Mulher em Barra do Garças e Pontal do Araguaia (Rede de Frente) é exemplo nacional. A iniciativa foi premiada em março deste ano com o Selo de Práticas Inovadoras, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A iniciativa também foi premiada com Mérito Lojista 2015 pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do município.

A Rede de Frente nasceu em 2013 pela ideia da Defensoria Pública, Ministério Público e Justiça Estadual para fazer algo além de campanhas pontuais de combate à violência contra mulher. Depois de uma reunião, foi criado o grupo de trabalho, em seguida se tornou uma rede e hoje é coordenada pela investigadora Andréa Guirra.

“Com a rede, nós observamos também o aumento de denúncias. Com a mudança de prédio da delegacia, foi implantado o pronto-atendimento, com uma sala onde ficam apenas a vítima e a escrivã. Então, o atendimento é imediato, se pedem as medidas protetivas, as mesmas são encaminhadas para o Fórum no mesmo dia. A vítima também já é encaminhada de imediato para o atendimento no Creas e para os demais como o de lesões, se houver”.

“Em Barra do Garças, casos enquadrados na Lei Maria da Penha são prioridades, inclusive no plantão. Não fica nada para amanhã. O exame de corpo de delito também é feito de forma ágil e cabe à Polícia Civil acionar o legista de plantão para atender a vítima”, explicou o titular da Delegacia da Mulher de Barra do Garças, Herodoto Souza Fontenelle.

O Instituto Médico Legal (IML) do município também é diferenciado. Possui um local específico para atender a mulher vítima de violência, com o cuidado para que ela não encontre o agressor no momento de fazer o exame comprovando a agressão física. Também foram instalados uma maca e um biombo para o médico não ver a vítima se trocando. A adaptação do local só foi possível devido à doação de recursos pelo Ministério Público Estadual (MPE).

A atuação conjunta é o diferencial para que a rede de proteção à mulher funcione. “O Judiciário tem um papel fundamental na rede, pois temos os eixos que norteiam nosso trabalho, o primeiro é a Rede de Atenção Proteção Social da Violência Doméstica, que é basicamente a delegacia e o Creas. Além disso, a aplicação humanizada da Lei Maria da Penha do procedimento judicial é um processo mais rápido. A vítima de ameaça, por exemplo, sai da delegacia com a intimação para o dia da audiência. Então, isso tudo é um acordo entre Promotoria, Defensoria e Ministério Público”, acrescentou Andreia Aguirra.

Vítima não quer separar

Uma mudança importante foi trabalhar o entendimento dos policiais que atendem às vítimas de violência doméstica. Antes denominadas como ocorrências “sierra fox”, ou seja, “sem futuro”, os policiais passaram a ter outra dimensão. Muitos não davam crédito porque muitas vítimas, por mais agredidas que estivessem, não iam adiante com representação criminal contra o companheiro.

“O objetivo da rede não é que a mulher se separe do marido, pois a maioria não quer isso, querem que parem com a violência. Às vezes, o casal vai participar do grupo reflexivo, mas isso depende dela, o que nós queremos é que a violência tenha um fim. Nós entendemos que esse atendimento psicossocial empodera a mulher. A mudança no homem é mais rápida que na mulher, pois ela só procura os atendimentos se quiser, já o homem é obrigado a ir entre 12 a 16 encontros e quatro para os de medidas protetivas. A ideia é trabalhar a família, a mudança do comportamento da vítima é mais difícil e mais trabalhosa, mas nós temos algumas vitórias que são importantíssimas”, frisou a investigadora Andréa Guirra.

Trabalho com a população

Numa ação preventiva, a Rede de Frente trabalha com crianças nas escolas, por meio de concurso. Participam desde crianças a universitários, que devem elaborar um vídeo de até dois minutos com o tema violência doméstica.

A premiação é feita por categoria, no júri popular, e a votação é feita pelo site da rede. São escolhidos cinco vídeos de cada categoria e os alunos podem votar durante um mês. O vencedor de cada categoria ganha R$ 1.500. O júri técnico, formado pelos membros da rede, escolhe um dos classificados que vai representar o vídeo institucional da Rede de Enfrentamento para ser usado em palestras e apresentações. Neste caso, o premiado ganha mais R$ 2 mil.

A meta agora é ampliar essa rede de proteção para todo Mato Grosso e servir como espelho aos demais. “Estive em Cuiabá no dia 07 de abril para apresentar esse projeto à diretoria da Polícia Civil. Eles ficaram super animados, querem que eu organize uma capacitação em Cuiabá para todas as regionais do estado. Eu falei para o diretor que o meu sonho é que a gente tenha a Rede em todos os municípios, ou pelo menos em todas as regionais”, concluiu a investigadora Andréa Guirra.

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