Crônica: Política da dor de dente

Rodrigo Alves de Carvalho

O prefeito Matias Augusto e o dentista Plínio Gomes eram inimigos políticos desde a chamada abertura política lá nos anos oitenta.

O prefeito, republicano das antigas, um tanto quanto reacionário com fortes raízes no coronelismo de outros tempos comandava a cidade com mãos de ferro e com isso poucas pessoas se dispunham a enfrentá-lo.

Plínio Gomes era o único odontologista da cidade e oposicionista ferrenho de Matias Augusto. Doutor Plínio era um democrata liberal, se bem que muitas pessoas, inclusive o prefeito Matias o considerasse comunista.

Os ânimos na política eram muito acirrados, chegando desde bate boca nas ruas até agressões físicas em botecos ou bordéis da cidade.

Era madrugada quando o prefeito Matias Augusto começou a sentir aquela dor de dente latejante que em poucos minutos se transformou numa agonia insuportável. Os remédios apenas faziam a dor aumentar chegando ao ponto de não mais aguentar e ser obrigado a bater na casa de seu desafeto Plínio Gomes às duas horas da manhã.

Entre incredulidade, espanto e muita satisfação, doutor Plínio recebeu o prefeito cabisbaixo, pedindo para que fizesse a dor de dente passar.

Deitado na cadeira, com a boca arreganhada cheio de algodão e aquele sugador barulhento, o prefeito viveu o pior pesadelo de sua vida. Não pelo tratamento do dente, mas por ter que se sujeitar ao inimigo e naquela situação ter que concordar com as colocações que Plínio Gomes fazia com o motorzinho em ação.

– O senhor prefeito concorda que precisa ouvir mais as pessoas em assuntos referentes aos gastos públicos?

O prefeito balançava a cabeça em sinal de positivo e resmungava:

– Hum, hum, hum…

– O senhor concorda que precisa melhorar as condições nos bairros, mesmo que não seja reduto eleitoral do senhor?

– Hum, hum, hum…

Depois de uma hora de tortura, finalmente doutor Plínio termina o serviço.

O prefeito se levanta e sai sem dizer palavra alguma e não era por causa da anestesia. Seus olhos eram puras labaredas da raiva e constrangimento que o enfurecia ainda mais.

Naquela mesma manhã, o prefeito partiu para a cidade vizinha onde chegou ao consultório de um dentista local e ordenou que lhe arrancasse todos os dentes.

Somente à noite voltou para casa, com o rosto inchado e a boca murcha, porém, satisfeito por nunca mais ter que concordar com seu inimigo político, mesmo que para isso tivesse que viver o resto da vida sem nenhum dente na boca.

Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

Seja o primeiro a comentar sobre "Crônica: Política da dor de dente"

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado.


*