Projeto de lei impõe limitações à Teoria da Imprevisão durante pandemia

A teoria da imprevisão encontra amparo legal nos artigos 478 a 480 do Código Civil, e tem como propósito possibilitar a resolução ou a revisão de um contrato que esteja suportando os reflexos de um acontecimento extraordinário, superveniente e imprevisível, que desequilibre a sua base econômica, o tornando excessivamente oneroso para uma das partes.

Nesse sentido, há de se considerar que a pandemia decorrente do novo coronavírus (Covid-19) tem causado significativas alterações nas relações contratuais, em especial, aquelas fixadas em moeda estrangeira, como o dólar.

De acordo com as informações do Banco Central, desde o dia 27 de janeiro, quando a China isolou a primeira cidade para evitar uma disseminação descontrolada da Covid-19, o real se desvalorizou quase 25%, a maior depreciação entre as 33 divisas mais líquidas do mundo.

Diante dessa circunstância, se um contrato foi pactuado no final de 2019 e a proposta considerou um determinado valor para o dólar, é possível que o negócio se torne excessivamente oneroso para uma das partes, que terá que saldar sua obrigação na moeda americana.

É certo que situações dessa natureza reclamam a aplicação da teoria da imprevisão que, como já dito, incide na ocorrência de fatos externos ao contrato e imprevisíveis, porém de consequências incalculáveis, que impactam o equilíbrio econômico-financeiro de forma alheia à vontade das partes.

Entretanto, o Projeto de Lei n 1.179/2020, de autoria do Senador Antônio Anastasia, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitória das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia da Covid-19, impõe limitações à teoria da imprevisão.

Em seu capítulo IV, que trata da resilição, resolução e revisão dos contratos, o PL propõe que “não se consideram fatos imprevisíveis para os fins exclusivos dos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário” (artigo 7º).

Portanto, em tese, a variação cambial decorrente da pandemia que assola o mundo, sobretudo o Brasil, onerando excessivamente aquele que contratualmente assumiu uma obrigação em dólar, não poderá ser objeto de argumentação para o caso de invocação da teoria da imprevisão.

O texto atual do referido projeto de lei se apresenta contrário ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando o Brasil, em janeiro de 1999, enfrentou uma brusca desvalorização do real. O Recurso Especial nº 1.433.434-DF, da Relatoria do Ministro Sérgio Kukina, julgado em 2018, fixou a orientação de que a súbita desvalorização da moeda nacional frente ao dólar configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes.

Ao que tudo indica, o projeto que já vem despertando inúmeros debates na comunidade jurídica, se sancionado, limitará substancialmente a aplicação da teoria da imprevisão, obstando o direito da parte ao reequilibro econômico-financeiro inicial do contrato em caso de variação cambial e desvalorização da moeda.

Isso causa uma significativa preocupação, principalmente à parte que tem sua obrigação contratual estabelecida em dólar, necessitando contar com o auxílio de profissionais gabaritados no sentido de afastar ou minimizar os efeitos do PL, que já se encontra na Câmara dos Deputados, muito próximo de uma sanção presidencial.

Leandro Facchin é advogado, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – e-mail: leandro.facchin@irajalacerdaadvogados.com.br

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