Lá pelos idos de 89, o editor e amigo Paulo Batista me levou ao BNH para conhecer um caçador de onças. Duas curiosidades me chamaram a atenção: o número de patinhas dos animais abatidos conservadas em um freezer e a informação de que o profissional não utilizava armas de fogo e abatia os felinos com uma lança pontiaguda de madeira.
A especialidade estava sendo cada vez mais solicitada, uma vez que o desmatamento estava eliminando a caça natural dos felinos e eles descobriram que era mais fácil e compensador caçar os bezerros nas fazendas do interior do estado.
O assunto é pertinente quando lemos na imprensa diária sobre o aumento dos roubos a bancos, nas principais cidades brasileiras e em alguns polos regionais do país.
Assim como as onças, que rapidamente se adaptaram as novas exigências do meio ambiente, os marginais encontraram, em determinado momento, equipes cada vez mais especializadas no combate a roubos a bancos e substituíram a atividade pelo roubo de automóveis e de transporte de cargas, muito mais difíceis de controlar e combater.
A pandemia, no seu quarto mês em andamento, anulou a rentabilidade do roubo de automóveis, pelo fato de ter sido reduzido o fluxo e o comércio de veículos nessa fase isolamento social. As cargas caíram assustadoramente e ficaram mais complicadas, em vista da redução do movimento urbano, facilitando a perseguição e a captura dos bandidos após os atos.
Restou às quadrilhas retornar ao roubo de bancos, buscando recursos para sustentar o comércio de drogas, outra atividade criminosa que está passando por sérias dificuldades em face da falta de recursos e eventos na praça.
A atividade criminosa de ganho fácil deverá ainda passar algum tempo se adaptando aos novos tempos, pois o retorno do dinheiro ao bolso dos trabalhadores vai demorar a se estabilizar e o ladrãozinho viciado continuará por um certo tempo sem ter de quem roubar ou assaltar. O traficante, acostumado a um alto padrão de gastos, terá que recorrer a projetos mais audaciosos para garantir o seu sustento e o das comunidades agora muito mais desprovidas, porque, se os recursos forem curtos, em casa que falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão.
A pandemia ainda vai trazer muitos infortúnios além dos óbitos para a população brasileira. A falta de empregos, que já era um problema considerável antes da crise sanitária, já atingiu patamares alarmantes e não vai parar por aí. O grande suporte do leve crescimento que vimos nos fins do ano passado vinha do chamado comércio informal e pelo empreendedorismo criativo dos brasileiros.
A parada forçada e inesperada dizimou os pontos informais, que não retornarão facilmente pela falta de recursos do público consumidor, deu um golpe mortal nos empreendimentos nascentes, que utilizaram todo o seu capital para tentar empreender e tiveram que encerrar as atividades, e não serão abertos novos postos formais de trabalho no médio e curto prazos, com ainda grande possibilidade de haverem novas dispensas.
Tempos bicudos se avizinham.
Frederico Lohmann é arquiteto e consultor
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