Getúlio, o tempo e as iniquidades

Sem a farta inserção midiática de pelo menos quatro (ou até cinco) décadas, nesta segunda-feira – 24 de agosto – faz 66 anos que o presidente Getúlio Vargas morreu. Com um tiro no coração, pôs fim à vida e à crise política que ameaçava afastá-lo do poder depois de ter governado o país por 18 anos e meio – de 03/11/1930 a 29-10-1945 depois de ter liderado a Revolução de 30, e, eleito pelo voto popular, de 31-01-1951 até a morte. Volta-me à mente aquela manhã fria de 1954 quando, aos sete anos, ouvi as sucessivas edições do Repórter Esso, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a estação de rádio de ondas curtas que na época era ouvida em todo o país e muitas vezes superava a audiência das rádios locais. O icônico apresentador de notícias Heron Domingues ancorava toda a cobertura. O povo chorava e a política fervilhava. Minha mãe advertia para eu não sair à rua, pois poderia “estourar” uma revolução.  

Vargas pegou um país atrasado e tipicamente rural, avançou em direitos civis (como o voto feminino), a organização dos sindicatos e a legislação trabalhista. Viveu o drama da 2ª Guerra Mundial, dela participou e tirou proveito para alavancar a industrialização brasileira. Começou pela siderurgia, que deu base à indústria automobilística. Viveu as controvérsias políticas do seu tempo; perseguiu esquerdistas e depois tornou-se ícone deles; foi ditador mas acabou reverenciado como democrata e, pela politica trabalhista, restou qualificado como “pai dos pobres”. Jogou duro com São Paulo, ao sufocar a Revolução de 32, mas dois anos depois promulgou a Constituição que os paulistas reclamavam.

A poeira da história hoje cobre e atenua tanto os acertos quanto os erros de Vargas. Seus ferrenhos adversários também já se foram. Ficaram apenas os fatos, sem propagandistas nem críticos. Preocupa, no entanto, ver que, apesar do espetacular desenvolvimento, que nos levou a ser uma das dez maiores economias do mundo, ainda enfrentamos a desigualdade, o desemprego, o favorecimento indevido, a corrupção e outras iniquidades que Vargas e os que o sucederam – Juscelino, Jânio, Jango, Castello, Costa e Silva, Médici, Geisel, Figueiredo, Tancredo/Sarney, Collor/Itamar, FHC, Lula e Dilma/Temer – tentaram mas não conseguiram solucionar.

O Brasil industrializado, tecnológico e destacado produtor do agronegócio, sob o governo de Jair Bolsonaro, pena pela desigualdade entre regiões e extratos da sociedade. É um feroz arrecadador de impostos para poder sustentar monstruosa cadeia de privilégios ardilosamente criados ao longo do tempo. Tem a população criminosamente cooptada por interesses das estruturas do poder que se revelaram corruptas e voltadas apenas para os próprios interesses. Conclusão: apesar de tudo o que se fez e lutou e do inegável progresso, ainda temos muito a resolver para um dia nos tornar aquela Nação forte, feliz e solidária. Bom seria se todos os detentores de alguma forma de poder – governantes, parlamentares, políticos, empresários, lideranças setoriais e até o povo – se mobilizassem em busca do aperfeiçoamento da nossa hoje selvagem sociedade de consumo que favorece só os mais afortunados e, via-de-regra, atua consumindo as oportunidades, a esperança e até a dignidade  esperança dos menos afortunados…  

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) 

aspomilpm@terra.com.br     

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