DE PAI PRA FILHO

(*) AUREMÁCIO CARVALHO

Raimundo Faoro, consagrado autor da obra clássica “Os Donos do Poder”, retrata uma verdade que persiste desde o Brasil-Colônia: o poder- econômico e político- sempre esteve nas mãos de dinastias familiares.

De pai para filho, do marido à mulher, do avô ao neto, de irmão para irmão: a política brasileira é um negócio de família.

E o Congresso brasileiro, com todos os seus escândalos, pode ser classificado como um ambiente familiar rentável. Em todas as eleições, o número de candidaturas para a Câmara e o Senado, promovidas pelas dinastias políticas familiares aponta a repetição do mesmo ciclo que persiste há décadas, apesar do clamor pela renovação entre os eleitores: os rostos de alguns dos futuros membros Congresso podem até mudar, mas os sobrenomes vão permanecer os mesmos.

Agora estamos assistindo mais um ato dessa triste realidade que se reflete no atraso político, econômico e social do país. O Senador Chico Rodrigues flagrado e filmado com dinheiro na cueca- é engraçado como os políticos usam os mais diversos meios de esconder dinheiro- no colchão, no paletó, na cueca, pagamentos até vultosos em dinheiro vivo, menos nos bancos, vai ter o filho como suplente.

O Senado, numa manobra deprimente, e para salvar a cara do senador e do próprio senado, forçou-o a se licenciar por 121 dias, esperando que o eleitor brasileiro esqueça o assunto, e ele volte, livre e solto. Quem assume? O filho: Pedro Arthur Ferreira Rodrigues (DEM-RR), Ou, seja, dinheiro na cueca, para o Senado, é algo normal, um descuido talvez.

De pai para filho, do marido à mulher, do avô ao neto, de irmão para irmão: a política brasileira é um negócio de família

Um levantamento da ONG Transparência Brasil entre os candidatos eleitos para o Congresso em 2018, identificou que pelo menos 249 deputados federais e 49 senadores tinham parentesco com outros políticos.

Os números representam 49% e 60% da composição de cada uma das Casas, respectivamente. Se fosse uma bancada, essa “frente de parentes ou da sagrada família”, superaria grupos parlamentares influentes como as bancadas evangélica e do agronegócio. O parentesco com um político funciona como um atalho para conseguir um mandato.

Não é apenas o sobrenome que ajuda o candidato a ficar conhecido entre o eleitorado. Muitas vezes os familiares que já possuem mandatos também são caciques partidários que comandam máquinas políticas – e consequentemente a estrutura de apoio eleitoral e os recursos reservados para campanhas. Mato Grosso não é exceção e dispensa exemplos.

Sem dúvida, e conforme Faoro, ou Victor Nunes Leal- “coronelismo, enxada e voto”, podemos inferir, grosso modo, que a desigualdade social e de renda no Brasil, é produto da desigualdade familiar na representação do poder político, em que famílias e grupos da classe dominante controlam e hegemonizam o poder político, em detrimento de grupos sociais excluídos da classe trabalhadora, dos trabalhadores do campo, dos pobres, negros, mulheres e muitos outros grupos subalternos na sociedade brasileira.

Um partido político formado por oligarquias familiares não terá como objetivo a ampliação dos direitos sociais, mas o uso privado do patrimônio público. Uma das aberrações da política brasileira é a suplência de senador: não tem voto e não é votado, e assume o mandato por rodízio (churrascaria política), ou é o financiador do senador- o que é mais comum- isto é, compra a vaga. 19 senadores já se afastaram para dar lugar e holofotes ao suplente e compensar o apoio financeiro.

Em resumo: mais de 24 milhões de votos jogados no lixo. Sem passar pelo crivo das urnas, os substitutos já representam 23,5% do total de 81 cadeiras na casa parlamentar mais importante do país. O quase anonimato da indicação permite que os partidos e os candidatos escolham como suplente o que for mais conveniente, já que as negociações são feitas longe dos olhos do eleitor. Não são raros os casos em que o suplente é um financiador de campanha, como apontamos. A existência da “bancada dos sem voto” está prevista na Constituição.

O artigo 46 determina que a eleição para o Senado é majoritária e que cada senador é eleito com dois suplentes. E, o art. 178 do Código Eleitoral aduz que o voto conferido ao cabeça de chapa se estende ao vice ou ao suplente.

É legal? Sem dúvida. Mas, é moral? Tenho sérias dúvidas dessa moralidade de compadrio. Não restam dúvidas de que o País precisa passar por um reforma política a fim de que a confiança do povo nas instituições do Estado seja restaurada, sobretudo pela instabilidade do cenário político brasileiro ante aos inúmeros casos de corrupção, cada vez mais vultosos e bem elaborados e que ficam, na maioria dos casos, impunes.

O instituto da suplência favorece o abuso do poder econômico e o nepotismo, tendo em vista que não há critérios para a escolha do suplente pelo Senador, bastando que preencha os mesmo requisitos deste para que seja diplomado no cargo eletivo.

É indiscutível falta de representatividade de um senador suplente e não eleito, em relação à totalidade do eleitorado. O eleitor se surpreende: quem? A mãe, o irmão, o filho, a mulher dele, vai assumir.

A legitimidade da representação dos suplentes de Senador é comumente questionada pela sociedade civil e até mesmo no meio político, o que acarretou em diversas propostas legislativas e Propostas de Emendas Constitucionais e projetos de Lei, no intuito de mudar a forma como ocorre a escolha dos suplentes e a maneira que se elegem. Porém, tais propostas não “sobrevivem” ao processo legislativo, sobretudo pela conveniência política do instituto. Vão dar um tiro no pé?

Ou seja, ele não aparece no horário eleitoral, não é o nome principal ao cargo, na urna eletrônica, muito menos precisa pedir voto ao eleitor. Apesar de obscuro na campanha eleitoral, o primeiro suplente de senador é quem assume o mandato caso o titular seja cassado, nomeado para algum cargo fora da casa legislativa, afastado definitiva ou provisoriamente por mais de 120 dias por quaisquer motivos. É, como dizemos “mamão com mel”.

Além do mais, o instituto favorece práticas contrárias a ética, a impessoalidade e a igualdade de condições dos cidadãos na participação dos pleitos eleitorais. Isto porque permite que pessoas de maior poder econômico financiem as campanhas eleitorais de candidatos a senadores e ao mesmo tempo integrem a chapa como suplentes.

Também, os que possuem vínculos de parentesco entre si, favorecem a concentração de poder em uma determinada família, algo mais característico em uma aristocracia do que uma democracia representativa.

Por fim, como resolver? Aprender a votar. Já disse Bobbio, que o maior analfabeto é o “analfabeto político”. Nesse quesito, estamos na Idade Média.

(*) Auremácio Carvalho é advogado.

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