LOBO…..

“LOBO”, no jargão militar é o grito de guerra para atacar e sinônimo de intervenção militar. O presidente Bolsonaro gritou “lobo”, com todas as letras; aliás, não foi a primeira vez: “Alguns tiranetes ou tiranos tolhem a liberdade de muitos de vocês. Pode ter certeza, o nosso Exército é o verde oliva e é vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”, disse o presidente a uma multidão aglomerada na frente do Palácio da Alvorada no domingo. “Estão esticando a corda, faço qualquer coisa pelo meu povo. Esse qualquer coisa é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir”, afirmou. Lembramos, prezado/a leitor/a que no primeiro semestre do ano passado, o presidente estimulou atos golpistas que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, e  arrastou consigo a cúpula militar, na pessoa do ministro da Defesa, Gen. Fernando Azevedo, para sobrevoar de helicóptero um desses atos. Ao mesmo tempo, as cúpulas das Forças tiveram de emitir duas notas para negar que houvesse tentações golpistas e reafirmando o compromisso com a Constituição. Esticar a corda, principalmente, em tempos de fraqueza como o atual- sua aprovação evaporando, o discurso negacionista antivacina repudiado pela maioria da população e apenas sustentado por radicais e militantes que não tem outra alternativa a não ser aprovar e defender todos os absurdos que o presidente faz e fala diariamente, não é novidade. Será interessante- e quase inacreditável para nós e os radicais bolsonaristas, assistir o mito tomando vacina. Ele reafirmou hoje, que vai se vacinar. Adeus bandeiras, adeus hipocrisia, fake news. Mas, o que interessa é: essas falas não caracterizam, em tese, crime de responsabilidade? A tão ignorada e rasgada Constituição Federal ainda dispõe: “Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II- o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;”…. Não está valendo? As ameaças de intervenção militar não afrontam a existêncianda União, do regime democrático, da estabilidade institucional do Brasil? O que o Congresso pensa? As Forças Armadas? O presidente que jurou observar e cumprir a Carta Magna, pode rasga-la impunemente? Está acima dela? O silencio do Congresso,das forças armadas, do povo e de outras entidades representativas, é ensurdecedor, estridente. Não deixa dormir o mais simples brasileiro que viveu ou tem notícias de 1964. O pesadelo vai se repetir? Evidentemente, essa enumeração do art. 85 não é exaustiva, mas, sim, meramente exemplificativa, podendo outras condutas ser enquadradas na definição de crime de responsabilidade, desde que haja definição legal, por meio de lei federal, no caso, a Lei 1.079 /50, especialmente em seu artigo 4º.Constituição Federal estabelece que o Presidente da República será processado e julgado por crimes de responsabilidade perante o Senado Federal, após admitida a acusação pela Câmara dos Deputados. Entende o Supremo Tribunal Federal que, admitida a acusação pela Câmara dos Deputados, não cabe ao Senado Federal emitir novo juízo, não se furtando ao julgamento do Presidente. Enfim, a decisão da Câmara dos Deputados vincula e obriga o Senado Federal à proceder ao julgamento do crime de responsabilidade. O citado artigo repete o artigo 85 da CF. Aliás, é importante ressaltar que o art. 2º da citada lei, alcança até o crime tentado; “Art. 2º–  Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República”. A rigor, não é crime, e sim uma conduta ou comportamento de inteiro conteúdo político, apenas tipificado e nomeado como crime, sem que tenha essa natureza. A sanção nesse caso é substancialmente política: perda do cargo e/ou, eventualmente, inabilitação para exercício de cargo público e inelegibilidade para cargo político por prazo fixado em lei. Denunciado, deve ser apreciada e julgada a denúncia, sem subterfúgios ou “jeitinhos” do Congresso Nacional; como, aliás, já foi decidido pelo STF: “A aplicação subsidiária do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e do Senado ao processamento e julgamento do impeachment não viola a reserva de lei especial imposta pelo art. 85, parágrafo único, da Constituição, desde que as normas regimentais sejam compatíveis com os preceitos legais e constitucionais pertinentes, limitando-se a disciplinar questões interna corporis.” [ADPF 378 MC, rel. p/ o ac. min. Roberto Barroso, j. 16-12-2015, P, DJE de 8-3-2016.]. Tal fato ocorreu, leitor/a, quando do julgamento da ex-presidente Dilma, o Senado, em sessão dirigida pelo Min. Lewandovski cassou o mandato mas, milagrosamente, manteve seus direitos políticos, ao arrepio da lei. Há 61 pedidos de abertura de processos de impeachment contra Bolsonaro, dormindo nos escaninhos da Câmara Federal e pelo andar da carruagem, continuarão na paz dos cemitérios. Não são crimes comuns, ou seja, aqueles praticados por qualquer pessoa, previstos pela legislação comum que podem ser furto, roubo, corrupção, homicídio, estupro, entre outros. Estes, se praticados pelo presidente, podem ser investigados- coleta de provas, mas só são julgados após o presidente deixar o cargo. Foi o que aconteceu com Michel Temer no caso da JBS. Será, penso eu, que a atuação de Bolsonaro voltada à sabotagem das políticas públicas de combate à pandemia da covid-19, não se enquadrariam, em tese, na previsão legal da lei 1.079 como Crime de Responsabilidade contra o livre exercício de direitos políticos individuais e sociais, crimes contra a segurança interna do país e crime contra a própria existência da União? O Brasil vai esperar mais quantos milhares de mortos para agir? Ou, não se trata de uma atuação voluntária e clara do presidente da República em atentado ao bem-estar e a proteção da vida e da saúde dos brasileiros, com menosprezo diário à gravidade da emergência de saúde que o próprio governo federal decretou, mas continua defendendo tratamentos precoces e medicamentos sem eficácia comprovada? E, as interferências ostensivas em órgãos públicos para prejudicar investigações contra seus filhos (ABIN, GSI, e outros) nas chamadas rachadinhas? São fake news? Quantas janelas ainda serão necessárias quebrar para as autoridades políticas e outras acordarem? Ou, será que ainda existirão janelas no “Dia D e na hora H”?. A Constituição ainda está em vigor, não voluntarismos autoritários de qualquer mandatário. Esperamos.

(*) Auremácio Carvalho é Advogado.

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