A anistia que poderá salvar o País

Em 1985, quando os militares de 64 devolveram o poder aos civis, os políticos brasileiros festejaram a chegada da democracia e se apressaram em rotular como ditadura o período militar, até então denominado revolução. Até aí, nada demais. Mas logo começaram as polarizações entre as diferentes correntes. Todos festejavam a democracia, mas cada qual a entendia ao seu modo. Veio a Constituição (promulgada em outubro de 1988) a primeira eleição direta, cujo eleito (Fernando Collor) seria afastado dois anos depois da posse pelo impeachment. O ativismo era levado a extremos e ampliava o fosso entre os políticos das diferentes tendências. O tucano FHC decolou e conseguiu o beneficio da reeleição sem ter de deixar o posto executivo, Lula elegeu-se em seguida e permaneceu dois períodos, mas teve problemas com a escolha da sucessora Dilma Rousseff, que sobrou afastada pelo impeachment. Os avanços e solavancos serviram para aumentar as divergências.

A construção das maiorias parlamentares através da espuria compra de votos a peso de emendas parlamentares, cargos públicos e outras benesses levaram ao mensalão, petrolão e outros problemas apurados nas esferas policial e judicial. Mais de uma centena de parlamentares restaram encrencados em processos e apurações, alguns encarcerados e tudo o que não precisamos ficar aqui repetindo, pois não são episódios que dão satisfação nem orgulho. A disputa política, cada dia mais, tornou-se uma briga de adversários turbulentos e hoje contamina até a relação dos Três Poderes da República. Seus membros divergem, criticam e, quando conseguem, invadem a seara alheia. Além dos dois impeachments presidenciais consumados (em 1992 e 2016), tivemos centenas de pedidos apresentados à Câmara dos Deputados contra todos os presidentes da República do período e, levados ao Senado em relação a ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República. O mais lamentável é que, em vez de tramitar os requerimentos, os presidentes das casas legislativas os engavetaram, supostamente por pressão ao interesse político.

Temos hoje um quadro turbulento que, por um lado, traz dúvidas e questionamento sobre a afirmação de que vivemos numa democracia. Centenas de pedidos de impeachment continuam sendo apresentados e sendo depositados no mesmo gavetão de antigamente. E o proselitismo é cada dia mais agressivo entre as correntes políticas. Difícil saber onde a política brasileira poderá chegar. A preocupação, no entanto, é permanente e nos colocada cada dia mais distantes da grande nação democrática que sempre almejamos.

Levantamentos revelam a grande complexidade da política nacional. Dos 39 presidentes que tivemos desde a proclamação da República (em 1889), apenas 15 foram eleitos pelo voto popular. E de 1926 até agora, dentre 27 eleitos, apenas cinco permaneceram até o fim do mandato. São eles Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, FHC, Lula e Bolsonaro. Boa parte dos mandatos foi concluída pelos vices ou por outros componentes da linha sucessória presidencial.

Considere-se que não é produtivo para a população e para as instituições quando ocorre o embate entre governantes e membros dos outros dois poderes (Legislativo e Judiciário). Esses homens e mulheres têm funções importantes que, ao desviarem para a atividade política ou ideológica, deixam de ser cumpridas ou pelo menos são retardadas. Só alcançaremos o ideal no dia em que cada um cuidar de sua obrigação e não se envolver nas alheias. A ação política deve, necessariamente, envolver Executivo e Legislativo e só eventualmente o Judiciário, para dirimir dúvidas preferencialmente constitucionais. Como a vida do País é dinâmica, a Constituição, em 35 anos de vigor, já sofreu mais de uma centena de emendas e precisa de outras, talvez até de uma nova Constituinte. Mas para que tudo isso se concretize, necessitamos de paz, até de uma anistia ampla geral e irrestrita que beneficie os atuais e ex governantes, parlamentares e militantes políticos e englobe todas as ações do mandato e do seu período (exceto possíveis crimes de sangue) e possa eliminar todo o lixo que os maus hábitos e a polarização política carreou para os escaninhos da República. Na nossa opinião, salve melhor juízo, sem essa limpeza geral, jamais conseguiremos ter uma política produtiva e voltada para o interesse da população pois os agentes sempre estariam manchados pelas nefastas cores das nódoas do passado.

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) aspomilpm@terra.com.br

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