Senado e STF colidem sobre descriminalizar a maconha

O Senado aprovou, em dois turnos, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das Drogas, que classifica como crime a compra, guarda ou porte de entorpecentes. O texto criminaliza tanto o traficante quanto o usuário. e colide com o processo que tramita pelo STF (Supremo Tribunal Federal), onde cinco ministros já votaram pela descriminalização da maconha e a principal divergência agora reside no tamanho da porção encontrada com o usuário. As propostas dos ministros vão de tolerar de 25 a 60 gramas da substância para liberar (ou não) o réu. 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, é o autor da PEC, assinada conjuntamente pelos líderes das bancadas partidárias naquela casa legislativa. Justifica sua elaboração, afirmando que a definição do que é ou não é crime e sua inclusão no ordenamento jurídico é prerrogativa do Congresso Nacional. No STF, o presidente, ministro Luiz Roberto Barroso, tem dito que a corte não está criando uma lei, mas apenas definindo o volume da dose onde a Lei Antidrogas, em vigor desde 2006 é omissa. Minha vivência de policial me conduz a pensar que o principal na questão das drogas é definir se o detido é traficante ou usuário, principalmente se o usuário é credor de punição menor. Esse enquadramento [e algo que deve ocorrer normalmente: o policial que faz a prisão leva o envolvido ao distrito policial e lá, a autoridade, mediante as variáveis do caso (quantidade, acondicionamento, local da apreensão, etc.), classifica como tráfico ou uso próprio. Vale lembrar que a definição da natureza do ocorrido (tráfico ou uso), em caso de dúvida, pode ocorrer até o momento em que o juiz estiver proferindo a sentença, sem qualquer prejuízo para o resultado. Se convencido de que é tráfico, aplicará pena mais severa e, se usuário, a mais leve.

Os bastidores de Brasília trabalham com a possibilidade de dois desfechos para a questão. O STF reconhece a PEC e recolhe a proposta de descriminalização ou insiste no texto libertário e busca algum tipo de inconstitucionalidade na decisão dos parlamentares. Para tanto, terá de judicializar a questão, o que a devolveria ao próprio tribunal, num outro processo. Qualquer confronto, no entanto, fragilizará a relação, já sensível, entre os Poderes.

Depois de longo tempo onde congressistas, detentores de foro privilegiado, foram alvos de investigações, processos e até condenações do STF – chegou a haver 130 enredados no tribunal – o Legislativo sinaliza a adoção de mais rigor em suas posições. Tanto que já votou projeto que impede decisão monocrática, agora faz frente à descriminalização da maconha encontrada com usuário e tem propostas para fixar o mandato dos ministros das cortes superiores – hoje vitalício – e outras medidas que não interessam ao corporativo Judiciário.

Gostem ou não os ministros do STF e o próprio presidente da República – que também encontra divergências no Congresso – a postura do Legislativo é inovadora. No lugar do regime da gaveta grande – onde os projetos permanecem longos períodos antes de ser votados e muitas vezes nem chegam a esse ponto – é interessante um Legislativo ágil e capaz de decidir prontamente as demandas. É dessa forma que os Poderes da União, definidos na Constituição (Legislativo, Executivo e Judiciário) devem exercer o seu mister e, principalmente, manter o equilíbrio, a harmonia e a independência preconizados pelo artigo 2º da Carta Magna. Seus integrantes, porém, precisam cuidar para não invadir a para de atribuição do outro poder pois isso pode levar à crise de relacionamento.

Os Três Poderes têm funções específicas. O Legislativo é o encarregado de votar as leis e fiscalizar seu cumprimento. O Executivo é o titular da governança e o Judiciário é o guardião da Constituição e do ordenamento jurídico. Tudo o que fizerem fora disso, pode causar problemas como aqueles onde o STF determinou medidas para o Congresso ou impediu o Executivo de nomear auxiliares. Embora em vigor há mais de três décadas, a Constituição pode estar necessitando de reformas no sentido de tornar mais claras as atribuições dos Poderes de forma a evitar que um não venha a invadir a seara do outro e isso provoque crises prejudiciais ao bom desempenho da máquina pública brasileira. O Legislativo não deve executar e nem judiciar; o Executivo não pode legislar e nem julgar; e o Judiciário tem de abster-se de legislar ou imiscuir-se em questões de governança…

Em tempo: vimos no jornal, a notícia de que o candidato a futuro presidente do Senado advertiu os ministros do STF de que os pedidos de impeachment sistematicamente engavetados durante as últimas décadas, poderão logo ser colocados em tramitação e produzir seus efeitos. Desculpe-me a franqueza. Essa é uma advertência indevida, Ninguém, especialmente o chefe de um poder, precisa avisar que vai cumprir a lei; isso é seu dever. A Lei do Impeachment é clara. Sempre que recebe um pedido de abertura de processo para afastamento de autoridade, a casa legislativa deve remetê-la a uma comissão especial na sessão seguinte e esta comissão tem 10 dias para se pronunciar. Infelizmente, esse mandamento legal tem sido ignorado tanto no Senado quanto na Câmara. Quanto a ameaçar ministros, certamente, não é algo que possa render bom resultado…

Isso é o lógico que deveria ter acontecido desde o primeiro requerimento, mas é prejudicial às harmonias quando se apresenta no formato de ameaça…
 
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) 
tenentedirceu@terra.com.br

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