Freios, contrapesos e bom-senso

Está ficando cada dia mais difícil o relacionamento entre os Poderes da União, definidos no artigo 2º da Constituição como “independentes e harmônicos entre si”. O Executivo pressiona por aumento de impostos, que o Legislativo não admite e provoca grande dor-de-cabeça ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O Legislativo tem no bolso a ameaça de cinco CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) na Câmara e de projetos que não interessam aos membros do Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, instância máxima do Judiciário, tem divergido dos dois outros Poderes e, vez ou outra, avançado sobre suas prerrogativas.

Diz a boa técnica governativa que um dos pontos principais da estabilidade de um País, Estado ou Município, é o funcionamento eficiente dos chamados “freios e contrapesos”. Aquilo que pode gerar conflito institucional é colocado sob essas salvaguardas e elas evitam as desavenças. Mas, para que funcionem, é preciso se manter a humildade e o bom entendimento. Caso contrário, o choque é inevitável e a estabilidade governativa e até institucional pode ir para as cucuias. É o que a nefasta polarização política tem causado ao nosso País.

Sem poder ou interesse para negociar as matérias do seu interesse no Congresso Nacional, o governo passou a recorrer a vetos que os congressistas rejeitam facilmente e o objetivo inicial dos projetos não se cumprem. A carranca com que se olham os adversários políticos impede as negociações e, em vez disso, ainda potencializa as perseguições que se cruzam entre uns e outros. Os que perdem votações na área legislativa judicializam as matérias e o Judiciário toma medidas duras que chegam a extrapolar de suas atribuições. A arguição de inconstitucionalidade tem sido instrumento de retaliação em vez de benfazejo enquadramento legal e respeito à Carta Magna. Os processos, investigações e operações policiais contra congressistas os tem colocado à reboque ou pelo menos rivalizados com o Judiciário. E, a partir daí, o artigo 2º da Constituição torna-se peça decorativa.

Partindo-se do princípio de que os Poderes da União constituem o lastro da manutenção da República, todos os brasileiros, independente da sua ideologia ou da posição que ocupam, devem fazer o possível pela paz. O clima de guerra que os celerados tanto de esquerda quando de centro e de direita e suas variações alimentam é veneno para a Nação. A estúpida desavença e troca de farpas – até compreensível no calor das campanhas eleitorais mas não fora delas – não pode continuar alimentada todos os dias conforme temos assistido nos escaninhos da política brasileira. O acionamento da Justiça para prejudicar adversários que deveriam ser combatidos com ideias e propostas melhores do que as deles, é um grande entulho autoritário que além de conturbar o clima político, ainda usa a estrutura da Justiça e a impede de cumprir as suas tarefas de modulação das questões da sociedade.  

Já passou da hora de as grandes lideranças políticas nacionais enxugarem o sangue dos olhos para que isso lhes permita enxergar o grande número de tarefas que as espera e podem melhorar a vida do povo. Em vez de tentar cassar o mandato, impedir a atuação ou até colocar o adversário na prisão (para não ter de enfrentá-lo nas próximas eleições), os verdadeiros e salutares políticos deveriam usar seu tempo e força para aperfeiçoar suas atividades e encontrar soluções para as dores da população, que são muitas.

 A ineficiência dos freios e contrapesos destinados a garantir a estabilidade de nossa vida política é um mal que cada dia mais tem afastado a classe política da admiração do povo e tornado a democracia brasileira sui-generis, pois muitas das ações polarizadas que impactam o meio nunca foram e nem serão aceitas por qualquer estudioso do regime de liberdade e autodeterminação do povo que herdamos da velha Grécia. Até por uma questão de sobrevivência, todos os políticos e cidadãos de alguma forma empoderados deveriam, nesse momento intempestivo, colocar seus préstimos no caminho da paz e da concórdia ou, se tudo continuar no ritmo dos últimos tempos, se preparar para a convulsão, onde as consequências são imprevisíveis. Pensem nisso…   

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) 
tenentedirceu@terra.com.br

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