O litro de pinga e o veneno de rato estavam sobre a mesa. Fagundes enche um copo com a cachaça e despeja o veneno em uma xícara.
São nesses momentos que um homem faz um balanço de sua vida e relembra as conquistas e os fracassos. Para ele muito mais fracassos.
Lembrou-se de quando era criança, das malcriações que os amiguinhos sempre faziam com ele, só pelo fato de ser o mais mirradinho da turma.
Lembrou-se do primeiro emprego num supermercado e as 140 dúzias de ovos que quebrou ao escorregar e cair sobre a pilha de caixas em forma de pirâmide. Lembrou-se de Verônica, a única mulher que realmente amou, tudo bem que a mulher não fosse o ideal de beleza com seus 120 quilos, rinite e sudorese noturna. Viveu com Verônica por um ano e meio até descobrir que a mulher estava tendo um caso com o padeiro do bairro (o que rosquinhas recheadas não fazem).
Depois do divórcio trabalhou em uma pequena fábrica de papel higiênico. Três anos depois a firma decretou falência. Só não perdeu tudo porque num acordo na Justiça, Fagundes recebeu quatro mil rolos de papel higiênico como acerto. Quando o caminhão descarregou todo aquele papel na pequena casinha que alugara num bairro pobre da cidade, os moradores foram taxativos: – Que homem mais cagão!
Mas seu inferno astral chegou ao ápice quando se mudou daquele bairro pobre para uma pensão furreca num bairro mais furreca ainda. Lá dividia o quarto com o vulgo Ligeirinho, que no começo causou um pouco de curiosidade pelo seu jeito discreto e ao mesmo tempo bagunçado. Quase não aparecia no quarto e se aparecia, era para comer e sair rapidinho.
Fagundes arrumou um novo emprego como limpador de fossas.
Um dia, ao chegar à pensão se depara com Ligeirinho mexendo em suas coisas e revirando seus documentos.
Foi a gota d’água. Aguentou na vida o que podia e deveria tomar uma atitude.
Agora ele contempla o copo de cachaça e o veneno de rato. Tomou uma decisão e ninguém iria fazer com que mudasse de ideia. Era a hora de por um ponto final em tudo.
Fagundes tomou um gole de cachaça, pegou a xícara com o veneno e caminhou até um canto do quarto; se abaixou e gritou para todos da pensão e também da vizinhança e por que não dizer, para todo o mundo ouvir:
– Morre rato desgraçado!
Enquanto isso, Ligeirinho passava correndo no outro lado do quarto com um pedaço de queijo nos dentes.
Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.
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