Lá na época medieval existia um rei que se considerava o maior artista de todos os reinos. Uma vez por semana todos os súditos eram obrigados por lei a se reunirem na praça central onde o rei se apresentava cantando, representando, dançando, declamando poesias…
Após as apresentações um de seus secretários gritava:
– Viva o rei!
E sob olhares de guardas armados, as pessoas tinham que gritar:
– Viva!
Certo dia, o rei iria cavalgar e ao observar o cavalariço assoviar para chamar um dos cavalos, tentou fazer igual; apenas vento saiu de seus lábios. Ele tentou várias vezes, mas não conseguiu nem um assoviozinho.
Mais que imediatamente o monarca convocou os melhores assoviadores dos quatro cantos da terra para lhe ensinar a nobre arte do assovio.
Entretanto, por mais que tentasse, o rei não conseguia aprender. Irado e sem paciência, o sanguinolento déspota mandava cortar a cabeça de cada um dos assoviadores que fracassavam no ensinamento.
Logo a notícia de que o grande rei que se considerava um dos melhores artistas do mundo e não sabia dar um simples assovio correu todo o reino.
As pessoas caçoavam o rei e por todo lugar ouvia-se assovios sarcásticos.
Enfurecido e fora de si, o rei baixou um decreto que proibia quaisquer pessoas de assoviar em seu reino. Quem fosse pego assoviando teria a língua cortada para nunca mais produzir som algum com a boca.
A barbárie então se instalou. Foi um festival de línguas dilaceradas, pessoas distraídas a tomar banho e assoviando eram carregadas nuas até a praça e extraída a língua com um alicate. Até mesmo ao passar uma moça bonita e um pedreiro assoviar, era motivo para mais línguas fora da boca.
Num dia ensolarado e seco, o rei saiu até a janela para sua cusparada matinal, mas devido à secura da boca, quando foi cuspir, assoviou.
Admirado com sua façanha, tentou de novo e novamente assoviou. Dessa forma passou o dia inteiro assoviando.
O decreto da proibição do assovio caiu e o rei novamente alegre com seus dons artísticos convoca todos do reino para mais uma apresentação. Estava com saudades de ouvir os aplausos e as saudações para sua pessoa real.
Durante mais de uma hora o rei assoviou e assobiou. Após a apresentação o secretario gritou para o grande público presente:
– Viva o rei!
Mas não se ouviu nada. Todos quietos olhando o palco. O rei confuso pergunta qual o motivo do silêncio e um dos guardas responde:
– Eles não podem saudar vossa Majestade pois estão todos sem língua.
Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.
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