A (inadmissível) suspeição nas eleições

Mais importante até do que os nomes anunciados como eleitos, é a população ter certeza de que os dados como vitoriosos foram, efetivamente, os que receberam o maior número de votos, e que não existiram fatos ou comportamentos que pudessem macular a campanha eleitoral, a votação e a apuração. Preocupam os questionamentos sobre a urna eletrônica, a campanha fundada em reconhecidas inverdades e mistificações que, no lugar da produtiva apresentação de propostas de governo, optou pela crítica e tentativa de desconstrução do adversário. O episódio da inconformidade na distribuição dos programas radiofônicos da campanha presidencial – que ensejou a demissão de um alto servidor do Tribunal Superior Eleitoral – requer a mais transparente e justa apuração, para evitar a criação de narrativas, crenças ou efeitos colaterais que possam descredibilizar as eleições e, com isso, enfraquecer a nossa democracia. Manter a credibilidade do sistema perante a população é ponto de honra.

Os acontecimentos que vêm agitando a vida política brasileira na última década, constituem poderoso combustível para a insólita polarização. Potencializam as desconfianças, versões e falações que em nada contribuem. As decisões judiciais inéditas, exacerbadas ou tidas como inconstitucionais, também contribuem para o quadro adverso e perigoso.
Sem qualquer dúvida, nossa pátria atravessa momento delicado que exige muita atenção, seriedade e cuidado. Precisamos de urgentes reformas – administrativa, econômica e política – que modernizem o Legislativo, o Executivo e o Judiciário e os pacifiquem. Arrisco prever que, após a reforma genérica, serão necessárias revisões setoriais para o enfrentamento de questões especificas.

Apenas para exemplificar – já que o tema deste artigo é eleição – é inadiável a reestruturação da Justiça Eleitoral. Da forma que foi concebida e criada – pelo decreto nº 21.976, de 1932, editado pelo governo provisório de Getúlio Vargas – sua administração foi entregue a magistrados. Naquela época, em que as eleições padeciam da interferência dos chamados coronéis que dominavam a política e haviam denuncias de votos de cabresto e outros vícios, a presença dos juízes de Direito, desembargadores e ministros dos tribunais superiores garantia credibilidade e respeito ao sistema. Porém, na realidade atual, traz mais problemas do que soluções.

Quando é o responsável pela administração do órgão que realiza as eleições, (orienta e fiscaliza a campanha, coleta e apura os votos, anuncia os vencedores e a eles dá posse), o que o magistrado menos faz é julgar, razão básica de sua investidura. O pior é que, ao tratar da administração, o juiz torna-se parte do problema e pode, ao julgar questões da área, ter a suspeição arguida por supostos prejudicados ou declarada por ele próprio diante do desconforto da situação.

O ideal será que a administração da estrutura eleitoral seja gerida por servidores de carreira concursados para esta finalidade. E que juízes sejam exclusivamente os julgadores das contendas da área (que são muitas) e promotores e procuradores só atuem representando o Ministério Público, como titulares das investigações e da proposição de ações. Se assim já fosse feito, o ministro Luis Roberto Barroso não teria sofrido o desgaste de defender a urna eletrônica e nem Alexandre de Moraes necessitado se pronunciar sobre as denúncias das irregularidades na distribuição dos programas eleitorais de rádio. Ambos se pronunciariam, confortável e oportunamente, só quando fossem chamados a julgar essas e outras questões.

Administrador administrando e julgador julgando. Dessa forma, a Justiça Eleitoral servirá melhor ao Brasil e à nossa tão festejada e (ainda) imperfeita democracia.

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves

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