A eleição inacabada e a inquietação do povo

        Diferente das eleições de governador, cujo segundo turno ocorreu no mesmo dia – 30 de outubro – a disputa presidencial apresenta-se, ainda, inacabada. Tanto que o vencedor não comemorou, o perdedor não reconheceu a derrota e o País vive a onda de protestos dos insatisfeitos na frente dos quartéis e dos caminhoneiros que bloqueiam rodovias e ameaçam para tudo. São mais de 20 dias de incertezas que passam por denunciados problemas nas urnas eletrônicas, relatório elaborado pelos técnicos das Forças Armadas (que pedem a apuração de fragilidades no processo de votação e apuração) e, para completar o quadro adverso, a rejeição do vencedor em razão dos seus recentes problemas judiciais removidos pela canetada do ministro Edson Facchin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Por seu lado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também é alvo de críticas pela atuação política dos seus dirigentes na época em que o Congresso apreciava o projeto da impressão dos votos como prova auditável e, mais recentemente, pela mão-de-ferro – denunciada como inconstitucional – com que trata os que questionam o processo eleitoral.

O quadro atual é tenso. A existência de meios ágeis e eficiente da circulação de informação, multiplica a repercussão de coisas e fatos que, em crises anteriores, demoravam horas e até dias para se espalhar, eram por muitos compreendidos como boatos e, não raramente, quando o povo deles ficava sabendo, já haviam se solucionado. Hoje, o telefone celular, as redes sociais e os demais recursos modernos colocam os fatos à frente do destinatário em tempo real. Isso exige s estratégia das autoridades e, especialmente, dos que podem trazer luzes (ou trevas) ao processo. Coisas do mundo globalizado, que a maioria dos países já sentiu, inclusive no processo eleitoral.
            Mas, uma crise como essa não é inédita. Em 1953, Getúlio Vargas foi o primeiro governante brasileiro a sofre o processo de impeachment, mas não foi afastado porque ganhou a votação. Mas, na manhã de 24 de agosto de 1954, suicidou-se com um tiro no peito, para impedir que fosse deposto. Em seu lugar ficou o Vice Carlos Luz, que acabou afastado por envolvimento numa conspiração que pretendeu impedir a posse do eleito Juscelino Kubistchek. Vivemos pouco depois – em 1960 e 61, a eleição e renúncia de Jânio Quadros, a crise onde os militares impuseram condições para a posse do vice João Goulart que, mesmo assim, três anos depois (em 1964), foi afastado sob a acusação de articular um golpe de esquerda.

Os militares permaneceram 21 anos no poder. Depois da anistia em 1979, que propiciou a volta dos exilados, assistimos em 1984, o movimento pelas Diretas Já, onde os políticos pediam a volta das eleições diretas para presidente (pois as de governador já foram diretas em 1982). Mesmo assim, o Congresso Nacional não teve os votos necessários para aprovar a medida, constante na Emenda Dante de Oliveira. Em 1985, a eleição de Tancredo Naves ainda se deu pelo Colégio Eleitoral. Os bastidores da campanha revelaram na época que, por precaução, enquanto construía sua candidatura, Tancredo mantinha um avião abastecido e com pilotos a postos, para, em qualquer emergência, pousar numa das pistas da Praça dos Três Poderes e resgatá-lo. Difícil saber, no entanto, se isso era uma verdade…

Cito esses episódios apenas para lembrar que a crise de hoje é apenas mais uma na história de uma República que se implantou e vive aos trancos.  Vale lembrar que a maior crise nunca é a passada, mas a presente, porque é essa que nos incomoda e pode trazer consequências. No atual quadro, quando o povo está inseguro e questiona aspectos da eleição, é preciso informá-lo devida e sinceramente. Não é mais o caso de um Poder constituído informar ao outros Poderes , mas todos eles darem sua satisfação ao povo, verdadeiro dono do poder. Dizer se há ou não problema nas urnas, esclarecer se as intervenções judiciais foram devidas ou indevidas e informar claramente sobre as providências a serem adotadas. Numa analogia simples, isso deve funcionar como a operação de rescaldo que os bombeiros realizam ao término de um incêndio para eliminar todas as brasas que podem reativar o sinistro. Sinistro, no caso, poderá ser o povo descontente e fora de controle. O País precisa da ação dos verdadeiros patriotas para que cada um assuma suas responsabilidades e todos trabalhem pela pacificação e, principalmente, pelo cumprimento da Constituição que, no seu artigo 1º, determina: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves

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