Sobre espertalhões

O texto abaixo é de autoria do escritor Mário Eugênio Saturno, que nos dá, nas suas ricas linhas, um exemplo que enganam, ou tentar enganar a maioria dos brasileiros, tidos como crédulos e como se alia a nosso pensamento editorial, o repassamos aos nossos leitores.

“Conta Carl Sagan, no seu livro O Cérebro de Broca, que na Grécia do século I d. C., durante o reinado do imperador romano Marco Aurélio, viveu um homem erudito com o nome de Alexandre de Abonothicus. Esperto e sem escrúpulos, um dia, entrou no mercado quase nu, com uma tanga ornamentada, trazendo o seu sabre e, abanando o seu longo cabelo solto, fez um discurso predizendo o advento de um novo deus oracular.

Em seguida correu para o lugar onde o templo seria construído, com a multidão arrastando-se atrás de si, e descobriu (onde já o tinha enterrado) um ovo de ganso em que colocara um filhote de cobra. Abrindo o ovo, apresentou a pequena cobra como o deus profetizado. Retirou-se depois para sua casa por uns dias ao fim dos quais se apresentou à multidão ofegante mostrando o seu corpo envolvido por uma grande serpente, que teria crescido de forma impressionante.

A serpente era de uma espécie enorme e convenientemente inofensiva, adquirida para este fim pouco tempo antes na Macedônia. Ele apresentava-se com um turbante de linho. A sala era pouco iluminada e, por causa da pressão da multidão, nenhum dos visitantes podia ficar por muito tempo para olhar a serpente com atenção. A opinião das gentes foi a de que o vidente tinha gerado efetivamente um deus.

Alexandre anunciou nessa altura que o deus estava preparado para responder a perguntas por escrito fechadas em envelopes lacrados.

Quando só, ele próprio os abriria, leria as mensagens e anexar-lhes-ia uma resposta. E veio gente de todo o Império para testemunhar aquela maravilha. Quando o oráculo estivesse errado, Alexandre simplesmente refazia a resposta que tinha dado. Quando a pergunta de um rico revelasse alguma fraqueza ou culpa secreta, Alexandre não tinha escrúpulos em explorar. Ele ganhou o equivalente hoje a várias centenas de milhares de dólares e fama.

Dois mil anos depois, Lamar Keene foi, durante treze anos, médium espírita e pastor da Igreja da Assembleia da Nova Geração em Tampa, sucursal da Associação Espírita Universal. Foi uma figura de renome na principal corrente do movimento espírita norte-americano. Mas ele é um charlatão confesso, que acredita que sessões e mensagens mediúnicas dos mortos são fraudes.

Como Alexandre, Keene respondia a questões que lhe remetiam em envelopes fechados no púlpito. Observava o conteúdo com uma pequena lanterna que trazia escondida ou entornando fluido de isqueiro sobre o envelope, que o tornava momentaneamente transparente. Usando truques de mágicos, explorava a credulidade e a falta de ceticismo que tinham seus clientes e paroquianos, e ganhou, como Alexandre, dinheiro e fama.

E em áreas mais universitárias, é possível enganar? Pensemos um pouco. Platão foi um gênio? Aristóteles também? E Descartes? Agora imaginem que qualquer um que tenha lido uns 10 livros de grandes pensadores pegue o melhor disso e comece a escrever e ensinar Filosofia. Quem nunca leu nenhum filósofo vai acreditar que esse escritor seja um grande pensador e quem fizer seu curso vai acreditar que ficou iluminado. Assim agem muitos embusteiros por aí!” A carapuça está sendo usada por muitos daqui e de acolá…

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